segunda-feira, 30 de junho de 2008

FLORESTA AMAZÓNICA

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SENSAÇÃO NOVA

Foi como um deslumbramento,uma volúpia. Estar ali a ver o amigo a dispor de um chefe que mandava muito ,que tinha um ror de pessoas dele dependentes.
Tratava-se de conseguir uma transferência. Pelas vias normais,só dali a muito tempo,no caso de atendimento. Mas havia pressa. E isso foi possível logo no dia seguinte,talvez pela consagrada chave de conveniência urgente de serviço.
Mas não se ficou por aqui. Foi necessária,novamente,a intervenção do amigo para uma outra transferência. E o amigo não se fez rogado. Parecia,até,gostar que lhe batessem à porta. Os seus desejos eram,afinal,ordens. E logo ali,mais uma vez à sua vista,sem regateios,se lavrou o despacho.
Não mais esqueceu a sensação nova que o visitara. Ali,bem ao lado do amigo,todo-poderoso,naquele gabinete de pessoa muito importante,ver as suas pretensões tornadas efectivas,sem qualquer obstáculo. Era como um sonho das mil e uma noites.
E dali em diante, compreendeu melhor porque se luta tanto pelo poder.

EM VÃO

É uma encosta que esteve para ali abandonada tempos sem fim. Mas chegou a sua vez. Alindaram-na,protegeram-na,não fosse ela desabar,mas ainda guarda uns restos do matagal de outrora.
Numa manhã de muito sol,alguém resolveu por lá andar,subindo-a e descendo-a,como que a divertir-se. Talvez se sentisse ali mais livre,talvez aquela encosta lhe lembrasse o sítio de onde viera,não há muito. Estava em tronco nu,mas a vontade dele seria despir-se completamente. Ainda fez menção disso,mas um quase nada de entendimento levou-o a suster o gesto.
Era um jovem para quem a vida fora madrasta. Teria tentado endireitá-la,mudando de poiso,mas em vão. E,naquela altura,ali se vencontrava ele,avisando que já não podia mais. Tinham de tomar conta dele,como haviam feito com aquela encosta. Não era menos do que ela.

ESTRATAGEMA

Quando já se tinham esquecido dele,lá aparece mais uma vez. Andará pelos vinte e poucos anos. Alguém cuidará dele. A cara não é de fome. Não veste e calça como um príncipe,mas não traz farrapos. Fala consigo,às vezes de alto.
Viverá de esmolas. Para as estimular,usa um estratagema,que se julgaria estar para além das suas capacidades. É que trata todos por doutor ou doutora. Ele lá saberá que assim fica com as carteiras mais prontas para se abrirem. Pelo menos,há testemunhas dispostas a afirmar que a artimanha resulta quase sempre.
Dificil é,de facto,resistir a tal tratamento. A maioria não quererá desmenti-lo,sobretudo,quando há gente por perto. E correspondem,não muito de acordo com tão alta categoria. Ele,também,não estará à espera de mais.

DOENÇAS

Era um homem alto,encorpado,de cabeleira escassa,de fala desatada,do muito convívio. Devido a alguma surdez,que a muita idade faz das suas,a sua voz trovejava,talvez por se gostar,também, de ouvir. Era um tu pá,a cada frase. Estivera em todos os recantos de uma vasta região,por onde andara nove longos e suados anos.
As doenças que por lá havia,a malária,a tuberculose,a bilharziose. Ultimamente,aparecera por lá também a sida. Mas todas elas nada eram,quando confrontadas com uma outra,que as punha todas na sombra.
E aqui fez uma pausa,a estimular a curiosidade,este insanável apetite de saber novidades. Que doença seria aquela,que aquele senhor de revoltas cãs,tão cheio de saber,talvez só ele conhecesse?
Finda a pausa,parecia estar ele disposto a esclarecer a suspensa plateia. Essa doença maior,a única,pode dizer-se,de que essa região padece, é. Não teve tempo de acabar,pois o médico não podia esperar e chegara a sua vez. E não mais foi visto por ali. Que doença seria aquela,talvez só daquele senhor conhecida?

NEM DADOS

Tinha muito para contar aquele caminho,a serpentear entre oliveiras e figueiras. Quase à sua beira,estendia-se uma muralha bem cuidada,que defendera a vila de algumas investidas,muitos anos atrás. Acompanhando-o,derramava-se uma paisagem a perder de vista,verde e amarela,pontoada de meia dúzia de lugarejos,de sinais de uma linha do caminho-de-ferro,de regolfos de minúsculas barragens.
Naquela ocasião,o ar rescendia a figos já maduros. A maior parte não iria ser colhida,que a mão de obra já não é o que era dantes,o mesmo sucedendo à azeitona. Nem dados. Lucravam os pássaros e as formigas,que também têm direito a boa mesa, e alguns nómadas que por ali circulassem.
Mas não foi para isto que tais plantações se fizeram. E uma das saídas está bem à vista. É pôr ali casas. Ressarcem-se,assim,de vários anos sem rendimento. Pena é que muitas oliveiras e muitas figueiras tenham os dias contados. Serão poupadas algumas,a lembrar tempos que,muito provavelmente, não voltarão mais.

COMPANHEIRA FIEL

Estava ali uma rica sombra, naquele cantinho do jardim. Duas comadres estavam conversando. Das vizinhas,pois então. Eram isto e mais aquilo,em suma,não se podiam aturar. De vez em quando,lá escapava uma palavra mais rude,castigadora.
De repente,cai-lhes em cima uma pergunta,com a sua devida autorização. As senhoras sabem o nome daquele arbusto a desentranhar-se em flores róseas,que é um encanto? Não sabiam,mas foi remédio santo para as acalmar.
Uma delas lá foi à sua vida e a outra ainda ficou mais um bocado. Tinha ao colo a sua cadelinha de estimação,a sua companheira fiel. Também a tratava como trataria de uma filha,se a tivesse.
Só da última vez,foram setecentos euros. Mas estivera muito mal,coitadinha. Por isso,teve de estar uns dias lá no hospital.
Mas merece todos os sacrifícios,pois é muito minha amiga. Não me larga. Quando há tempos estive doente,não me saía da cama,a olhar para mim,como se fosse uma pessoa. A inteligência que ela tem.
Foi a minha sorte,foi o que me valeu. Não estaria ,agora,ali. Apercebeu-se do fogo que estava lavrando nas traseiras da minha casa de campo e apressou-se a avisar-me.
Levo-a também à praia,que é tempo dela. Ainda agora vim de lá. Nesta não é preciso mostrar os certificados das vacinas. Mas já mos têm pedido noutras.
E pronto. Estava-se fazendo tarde para as sopas e lá foram para a sua casinha.

domingo, 29 de junho de 2008

NOS DOMINGOS TAMBÉM COME

Aquilo parece uma paixão. Ou será outra coisa? Talvez uma maneira,a única,afinal,de lhe gastar o tempo.
Não pára,sempre de um lado para outro,todo o santo dia. Ele planta,ele amanha,ele monda,ele apara,ele rega. Os anos já lhe deviam pesar,e muito,e as costas vão-se curvando.
Uma pausa estaria ali bem. Para outros,que não para ele. Nem os domingos escapam. Diz ele que nos domingos também come.
E férias? Quando as tem,que é o que vem lá no contrato,é um permanente desassossego. Não resiste a passar por lá,a ver como as coisas correm,sem ele,em jeito de capataz.
A falta que ele estava ali fazendo. Ouvirá queixas das flores,da relva,das árvores e dos arbustos,de todo o espaço daquele amplo jardim. Em breve voltará,ele lhes promete,e tudo passará a ser como era dantes,quando ele está.

MÉTODO CANHESTRO

Certa carreira profissional levou,um dia,uma grande volta. Quase que lhes tinha saído a sorte grande. Um apreciável grupo passou a formar um pelotão compacto,todos com a mesma antiguidade,mas fora do quadro. Ascenderiam a ele,à medida que se dessem vagas,de aordo com as diferenças de tempo que,entretanto,se verificassem,resultado de faltas por doença. Os mais saudáveis beneficiariam. Enfim,um critério,à falta de outro melhor.
Aconteceu que chegara a vez a um deles. Mas o chefe não estava para aí virado. Aquela vaga destinava-a ele a outro,que se atrasara por doença. E o que estava para entrar ficou a marcar passo. Podia ser que ele caísse à cama por alguns dias,os suficientes para ser ultrapassado.
Felizmente que se veio a dar uma outra grande volta,que cabou com aquele tão canhestro método de arrumação.

A INOCÊNCIA

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UMA VIDA

Coitado do moço,muito longe estava ele ainda das tricas deste mundo. Desconhecia ainda que boa parte da vida flui num mar,numa rede intrincada de interesses,nem sempre claros,mas que estão lá, nos momentos de decisões de todos os tamanhos.
Estava em causa a saúde mental de um colega. Necessitava ele de internamento imediato,um problema,naquela altura,muitas vezes de difícil solução. E era dessa espécie este internamento. Disseram ao moço que um seu professor podia facilmente resolvê-lo. Era amigo de um ministro muito influente. Com uma cartinha do professor na mão ,o ministro diria logo que sim. E foi o que aconteceu. O colega foi logo internado.
Pois desde aí,o moço passou a ter no professor como que um inimigo. Porque seria? Parece que devia ter sido o contrário. Tinha salvo uma vida,a vida de alguém que podia ter sido seu aluno,se não tivesse adoecido. E isso,porque o moço lhe batera à porta,uma porta muito importante. Tinha sido feito prova dessa importância,o que muito contribuira para melhor o considerarem.
Porque seria? Talvez o professor estivesse reservando a sua intervenção para outra finalidade,que,deste modo,ficara prejudicada.
Porque seria? Talvez porque o moço tinha aceitado um lugar de nomeação e isso fora muito feio.
Enfim,um sem número de suposições. Mas o que interessava,acima de tudo,afinal,é que o doente estava recuperando,porque fora imediatamente internado.

sábado, 28 de junho de 2008

DUAS RESPEITÁVEIS ESTAÇÕES EXPERIMENTAIS AGRÍCOLAS INGLESAS

Imagem da Rothamsted Manor,retirada da web
Imagem da Cockle Park Tower,retirada da web

Cockle Park Farm,desde 1896,a norte do Tyne,uma das mais antigas do Reino Unido. É gerida pela School of Agriculture,Food and Rural Development,da Universidade de Newcastle upon Tyne.


Rothamsted Experimental Station,modernamente,Rothamsted Research,desde 1843,uma das mais antigas instituições de investigação agrícola do mundo. Em Harpenden,Hertfordshire.


SÓ COM PORTUGUESES

Naquela tarde,só havia um jipe disponível. Assim,além do codutor,tiveram de lá caber quatro técnicos e quatro ajudantes. Ele não pôde ir. Por lá andaram no seu trabalho. No regresso,calhou ele estar presente. Do jipe,foram saindo,indistintamente,um ajudante e um técnico. E sem ninguém lhe encomendar o sermão,ele comentou:isto que se está a ver,só com portugueses.
Ele era o Amílcar Cabral.

ESTUDOS AGRÁRIOS DE AMÍLCAR CABRAL

Publicação conjunta do Instituto de Investigação Científica Tropical e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa. Lisboa e Bissau. 1988.

Estes Estudos incluem a Carta de Solos da Fazenda Longa-Nhia(Angola).1960.

DUAS NOTÍCIAS DE SINAL CONTRÁRIO

A boa notícia-Uma amostra de solo de Marte,colhida pela sonda Phoenix,mostra que nele se podem cultivar espargos.
A má notícia-A calote de gelo do Polo Norte pode desaparecer este ano.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

CHEIA DE MEDO

Aquilo teve a sua graça. Lá estavam as pacaças quase no caminho. As avezinhas,suas vigilantes,bem o indicavam. Veio o barulho do costume,para as espantar,para sairem dali,pois perturbavam a tarefa. Não é agradável andar a trabalhar,com inimigos por perto. Elas deram conta e há pernas para que vos quero. E foram os ruídos do costume,ruídos confusos,desencontrados,vindos lá de dentro da floresta do capim alto,que ali o vale quase ressumava.
E,sem esperar,o que se vê? Uma pacaça tresmalhada,em fuga,na picada aberta. Estaria cheia de medo,a pobre da pacaça. De patas bem flectidas,quase rastejando,em jeito de não dar nas vistas. Ela lá saberia. Os homens,às vezes,traziam armas,e ela iria desta para melhor.
Naquele caso,não havia uma sequer,e ela lá foi em paz à sua vida. As outras não tinham perdido a cabeça,não saindo do seu esconderijo,que era imenso.

AQUELA PLACA

Seria aquilo fruto de uma lenda,de um mero desejo,talvez de uma prosápia. Mas lá estava,bem visível,aquela placa,em casa de humilde praça. Ali vivera o épico.
A ser verdade,não teria escolhido melhor poiso, a dois passos do seu amado rio. A qualquer momento,em caso de ter ,mais uma vez,de fugir,as ninfas estariam lá,à sua espera, para o esconder. E, ou iria rio acima,ou rio abaixo,consoante a banda do perigo,por elas guiado. Mas para quê fugir,se ele se levava consigo?

SEUS VIZINHOS

Aquilo não fora um mero elogio,mas apenas um simples comentário. Um comentário do velho professor. Mas tão contente que ele ficara.
Estivera para ali a dizer umas coisas,uma boa meia hora,coisas do seu trabalho de meses. A função acabara e o velho professor,já a sala se tinha despejado,veio ter com ele.
Sabe,eu não percebi nada do que esteve para aí a expor. É uma matéria fora dos meus interesses. Mas uma coisa lhe posso afirmar. Você gosta do que faz. Vê-se,à légua. Valeu isto mais do que meia dúzia de palavras de conveniência.
O velho professor. A vida não lhe correra nada bem. E ali estava ele a ganhar para as sopas,que elas não caem do céu.As voltas que o mundo dá. Um amigo dera-lhe a mão.
A sensibilidade daquela alma. Vivia numa zona da cidade com muitas árvores e muitos pássaros. Pois levantava-se muito cedo para os ver partir para a sua faina. E ia para casa a correr,para assistir ao seu regresso. E contava isto como se os pássaros fossem da sua família. Eram,pelo menos,seus vizinhos.

AS ARDENAS

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DAVA GOSTO

Para baixo todos os santos ajudam. Mas nem deles precisavam. Eram jovens,era manhã e o bem-estar enchia-os. Elas usaram o elevador,eles serviram-se das escadas,quase a voar.
Eram oito,quatro pares,quatro lindo pares. Eles,sãos e escorreitos. Elas,sãs e escorreitas. Tinham sido uma noite de sábado e uma madrugada de domingo bem passadas. Viviam no mesmo andar,em sociedade. Era melhor do que alugarem quartos.
Juntaram-se à saída. E ali ficaram uns momentos,rindo e assentando ideias. Dava gosto olhar para eles e elas. Descontraídos,desinibidos,de cores sadias.
Lembravam maquinismos acabados de sair da fábrica,novinhos em folha. Nem uma mácula,tudo só brilho. Lembravam, também,cavalos à solta em vastos prados. Tudo aquilo para eles,erva tenra a perder de vista e água a jorros. O que eles corriam,como eles o faziam. Dava gosto olhar para eles.

MUITO RESPEITADOR

Naquele serviço,as empregadas parecia terem sido escolhidas a dedo. Eram todas de se lhe tirar o chapéu. Não teria sido assim,mas alguém,desconfiado da fartura,poderia tê-lo julgado. Não era de admirar,pois,que alguns,a qualquer pretexto ou a nenhum,passassem por lá. E era o que,de vez em quando,acontecia.
Ora sucedeu que um jovem,por motivo do seu trabalho,necessitou da ajuda das moças ao longo de dois anos. Era uma colaboração que,pela sua natureza,se arrastava por horas. Conversavam,naturalmente. Ele não era bicho de mato.
Muitos anos mais tarde,uma das moças,naquela altura já avó,tomou a resolução de desvendar um segredo,que guardara muito bem guardado. Sabe você,tambem já avô, o que é que eu e as minhas colegas pensámos de si? Pela maneira como se comportou,sem comparação com as de outros que por lá iam,só podia haver uma explicação. Teria sido seminarista. Vá lá um homem procurar ser muito respeitador.

A SUA MUITA FÉ

O marido fora condenado,por falta tida como muito grave, e ali terminara a sua carreira. Mas ela nunca se conformou. Havia de remover céu e terra para o reabilitar.
Durante largos anos,aquela alma não desarmou. Da terra pouco tinha a esperar,mas do céu,não. De lá viria a reparação,era a sua muita fé. Foi lá pelas alturas,pois, que ela mais tentou,sem um desfalecimento.
Sucedeu até um fenómeno digno de registo. O seu homem,que pouco ou nada ligara a essas coisas da religião,quase a igualou na esperança de uma outra vida,onde se faria a justiça devida. Passou a ter pela companheira uma espécie de adoração. Quando ela desfiava a sua ladainha,todo ele ficava suspenso,olhando-a.
Se ela assim não tivesse procedido,o mais certo seria o marido ter sossobrado. A pouco e pouco foi recobrando forças para regressar à luta. Não foi tarefa fácil,pois havia a tal mancha. Mas lá conseguiu dar a volta,que ela terá ajudado,na terra,e,sobretudo,no céu.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

MONTES DE NOVIDADES

Pode dizer-se que eram os dois de extremos. Ou oito ou oitenta. Começaram pelo o oito,uma modesta pensão,de clientela muito variada. Entre os convivas,dois jogadores de futebol,que,por má sorte,tinham caído no clube errado. Deixaram de lhes pagar. O gerente mostrou compreensão,não lhes indicando a porta de saída. Os outros solidarizaram-se,pagando adiantado.
A pacatez do lugar era quebrada,às vezes. Um vendaval varria-o. Era gente da capital,de fala desatada e rica. Traziam montes de novidades e as suas agendas estavam carregadas de moradias. Indicavam preços,em jeito de intermediários. Aconselhavam e apontavam prioridades. Monopolizavam as atenções,deixando um rasto de sabedoria.
Por uma razão desconhecida,passaram para o oitenta. Os turistas,por vezes,rareavam. Assim,para dar saída à carne e ao peixe,aceitavam comensais a preço de saldo. A clientela era discreta,polida,sem altos nem baixos,parca de histórias.

DE PERDER A CABEÇA

Ora bons olhos o vejam. Pelos vistos,você recuperou. Parece estar aí são que nem um pero. Diz bem. Olhe,foram os cuidados da minha mãezinha.

Começara com uma tossezinha,aqui e ali,mas para o fim quase não havia intervalos. Era uma tosse seca,cava,uma tosse com ares de muito ruim.

Você não tem juízo. Eu bem sei que é novo,mas o mundo não acaba amanhã. Modere-se. Tinha de se levantar cedo,ele sabia. Mas era pelo S.João,um S.João de perder a cabeça. Bailarico até altas horas. Só lhe apetecia bebidas frescas e melancia. O trabalho também não ajudava. Um forno dentro de outro forno.

Tem de ir ao médico. Isto passa. Era bom de dizer. Não passou e o médico mandou-lhe fazer as malas,logo nesse mesmo dia. E era se queria ainda salvar-se. Foi o que fez,escusou o médico de repetir.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

A PROMESSA

Era dia de procissão da Senhora da Bonança,a protectora dos pescadores daquela terra. A Senhora estava para chegar ali ao porto de abrigo. Às vezes,demorava. Nunca se sabia. Dependia de muita coisa, e do mar. Uma multidão A esperava,devota uma,curiosa outra,como acontecera sempre,desde há muitos anos.
Sentada em sítio estratégico,porventura o preferido,estava uma velhota toda de negro vestida. Então,vem aqui muitas vezes? Todos os anos,ainda que esteja muito achacada. Foi essa a promessa. Muitos favores Lhe devo.
A música que atroava os ares e que não havia meio de se calar,para regalo,talvez,da maioria,emudeceu,à chegada da Senhora. O mesmo aconteceu a um feirante que não se cansava de repetir o seu disco. Uma oportunidade daquelas não mais a apanhariam. Por uma simples nota,não levariam apenas uma peça,mas uma dúzia.

NATUREZAS VIVAS

Vinte e cinco anos a viver em Paris e nem uma só vez fora espreitar o Louvre lá por dentro. Tivera ele muito mais que fazer. Que lhe adiantaria ter dado esse passo? Seria um passo perdido,e ele não podia perder um sequer.
Dera muito bem conta do recado,sem ele e outros da mesma laia. Criara cinco filhos,todos bem encarreirados. E ainda sobejara para meia dúzia de prédios,que se podiam ver,dois,até,em Paris.
Lançara-se em boa hora à aventura. Moirejando dia e noie,que a maré é para aproveitar,não enjeitando qualquer serviço,acabou por chegar a mestre de obras. Nem os fins de semana escapavam.
Não havia tempo a perder. Só o indispensável,para comer e dormir. Mesmo ali a dois passos,havia coisas para visitar,que ele bem as via,mas ficaria para depois. Não iriam sumir-se.
Tinha mais em que se entreter,como cuidar do estômago e da roupa. Até arranjou um canto para plantar umas couves. Era,afinal,o seu Louvre,cheio de naturezas vivas. Ajudara-o a matar saudades da santa terrinha e a fome.

terça-feira, 24 de junho de 2008

NOS BELOS TEMPOS

Ele tem ar de quem perdeu ou se esqueceu de alguma coisa muito importante.Não é ainda muito velho. A cabeça é que deu em pender,parecendo andar em busca de algum objecto que lhe tivesse caído.
Há dias barrava uma entrada,sem reparar no estorvo que estava fazendo,com gente a entrar e a sair,continuamente. Virava-se para a esquerda ou para a direita,em jeito de esperar alguém ,que não havia meio de vir. Esteve assim uns largos minutos,não mostrando angústia,mas talvez resignação.
Já não vem,como sucedera,já antes,desde há algum tempo. Deve ter-se esquecido,pensará. A mulher morrera-lhe,mas ele suporá que ela foi ali,já volta. Impaciente,faz-se ao caminho,a ver se a encontra. Irá pelos locais onde costumavam passar os dois,nos belos tempos. E não a vê. Hoje não virá. Mas amanhã pode ser que aconteça. E assim viverá,esperando que ela regresse um dia,sem avisar.

SIGNIFICADO MUITO ESPECIAL

Num dos extremos da alameda,outrora muito concorrida,mas naquela altura quase deserta,lá continuava,incansável,a fonte de águas milagrosas. Um carro de boa marca parou à sua beira. Dele saiu,em camisa,um homem de meia idade ,muito direito,quase calvo.
Não resistira. As vezes que ele ali se dessedentara,nos seus tempos de moço carenciado. Não fora,porém,a sede que,daquela vez,ali o levara. Fora só ele a fazê-lo. Para a mulher,aquela não seria mais do que uma outra fonte,e não estaria precisada.
Apenas molhou a boca. Mas isso devia ter um muito especial significado para ele. Já não era o moço desses tempos recuados,que ele não gostaria de lembrar. Tinham sido uns largos anos a labutar lá longe. Dera para regressar de vez.
Falava,gaguejando muito,descontraidamente,e olhava para o outro bem de frente,sem acanhamentos. Não precisava de andar por ali a pé,como antigamente,à procura de sustento. Fizera uma bela moradia,onde nada faltava,tinha os seus rendimentos,e havia de receber,um dia,uma pensão,pelo tempo que lá trabalhara.
Comparava,opinava,criticava,desinibido. Não teria crescido tanto se por ali tivesse ficado.

A PAZ REINAVA

Na maré baixa,um arremedo de praia formava-se junto à muralha. As águas acastanhadas,pela vizinhança de um cano de esgoto,iam e vinham em ritmada ondulação. Ali devia haver comida para lautas refeições,o que atraía gaivotas,pombos e pardais. Eram as gaivotas,naturalmente,que pontificavam.
Chegava para todos,pelo que ali reinava a paz. As gaivotas ocupavam,claro,a linha da frente. Seguiam-se os pombos e lá para trás os pardais. Era,de facto,o mais ajustado,dadas as circunstâncias do lugar. O seu a seu dono.
As gaivotas procediam como se não gostassem de molhar os pezinhos. Recuavam,quando a onda vinha. Pareciam crianças ou adultos que receavam pô-los de molho. O certo é que sempre o faziam. De quando em quando,levantavam voo,para regressar de novo à nesga da areia,ocupando o seu lugar na dianteira. Dava para divertir.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

FUGIU DALI

O menino estava a dormir no colo da mãe. A tristeza dela,de olhar baixo,como que envergonhada. De quê? O seu menino era tão bonito. Seria por estar pobremente vestida,seria por ter o cabelo despenteado,seria por o seu rosto,ainda muito jovem,trazer já sinais de velhice?
Merecia melhor sorte o seu menino. Que seria dele? Aconchegara-o. Isso ainda podia fazer. Mas por quanto tempo?
O seu menino começara mal e era capaz de acabar pior. Se tivesse nascido homem,ele que se arranjasse. Mas era tão pequenino,tão frágil,tão sem defesa. Sabia protestar,mas seria quase sempre por ter fome de leite. Não conhecia ainda outras fomes. Se as conhecesse e soubesse que,muito provavelmente,não as satisfaria,que protestos não haveria de fazer? Teria de começar a resignar-se bem cedo,para mais tarde menos lhe custar.
Muitas lágrima,caladas ou barulhentas,ele iria verter. Ele e muitos meninos como ele. É que as fomes não cessam de aumentar,pois as necessidades multiplicam-se. Necessidades velhas e novas. Esperam-nos estas a cada esquina,como que agredindo-os.
Deveria ter estado a pensar em tudo isto e estaria apreensiva,apavorada. De repente,levantou-se e fugiu dali.

GENERALIZAÇÕES

As generalizações apressadas,além de erróneas,pelo menos,algumas vezes,não se sabe quantas,podem ser graves. Convém evitá-las,pois,mas são uma tentação,visto darem pouco trabalho e um certo tom de sabedoria,de abrangência,nas conversas.
Uns pândegos estão uma semana ali ou acolá,às vezes,apenas um dia ou uma tarde,e atrevem-se logo a fazer afirmações categóricas. As pessoas são isto ou aquilo,uns malcriados,uns porcalhões,uns ignorantes,muito inteligentes,muito simpáticos,uns cavalheiros,nem queria acreditar. Sobre as vistas vem uma avalanche do mesmo quilate. Só se vê erva,não se descobre um papel,está tudo muito arranjadinho,são montanhas por todo o lado,aquilo é que é saber aproveitar,parece uma horta.
Um dia,alguém passa, pela primeira vez, em certo país. Apenas se demora um fim de tarde e uma noite. Convive com meia dúzia de jovens,todos de relações cortadas com o tabaco. Se ele fosse dado a generalizações ligeiras,quando chegasse lá a casa diria à mulher que aquele é que é um país atilado. Vê lá tu que não há quem fume.
Quantas apreciações superficiais não são emitidas,uma vezes,despretenciosamente,outras,com ares de conhecimento profundo,para,talvez,espantar gente crédula. E se alguém se atrever a contraditar,olhe que não é bem assim,o país tem regiões muito diferenciadas,os comportamentos divergem,é olhado de alto a baixo,taxado de ignorante ou de ceguinho,e outros mimos equivalentes.

DÁ GOSTO

Para o que lhe havia de dar. Perdia a cabeça quando via ou ouvia coisas que estivessem a pedi-las. E então,como que abruptamente empurrado,saltava para o meio da cena,disposto a dar forte e feio. Não tivera insucessos,pelo que reincidia. Mas precisava de ter muito cuidado,se não ainda, um dia,sair-lhe-á o tiro pela culatra,ou,o que é o mesmo,irá buscar lã e ficará tosqueado,ou o caçador arriscar-se-á a ser caçado.
Aquilo,daquela vez,excedia tudo o que imaginar se pode. O moço, já crescidinho, entrara acompanhado de uma menina de similar crescimento. Mal se sentaram,o moço não se conteve. Não calculas como estou grudado ao livro. Há tempos que não lia um que me enchesse tanto as medidas. É asneira que ferve,uma ou mais em cada frase. Assim,dá gosto.
A menina não piou,talvez envergonhada por tamanha má boca do companheiro. Um moço crescidinho encantado com uma porcaria daquelas. Estava a precisá-las.
Ouvi-as das boas. Mas o moço era de se encolher. As asneiras tinham-no quebrado,amolecido. Daquela vez,ainda escapara. Ver-se-á para a próxima.

COM INTENÇÕES

Ela teria uns quarenta anos. Então,está bom? Há muito tempo que o não via. Desgostou-se do médico? Era pessoa que lhe parecia nunca ter encontrado. Devia estar a confundi-lo com outro,era o mais certo. Não era caso invulgar. Havia ali,porém,qualquer coisa que o pusera alerta.
De onde é que a senhora me conhece?,assim a modos de ver o que ela pretenderia. É lá da clínica onde você costumava ir. Não me está a reconhecer? Estou assim tão mudada? Olhe que conversámos muitas vezes.
O senhor até engraçava muito comigo. Não se lembra? E eu que gostava tanto de falar consigo. É que me fazia muitos elogios. Que não havia outra como eu. Veja lá que até cheguei a pensar que você estava com intenções.
Ela tinha na mão um cigarro que acabara de acender. Olhe que o tabaco mata. Deitou logo o cigarro para o chão,talvez para ele ver que lhe seria obediente.
Desculpe,mas não posso estar mais tempo,tenho ali a velhota à espera.

CARA RIDÍCULA

Ele andava muito ralado e não era para menos. É que já há dois tristes anos que não fora passar,pelo menos, uma mísera semana no estrangeiro,quer dizer,no país ali ao lado do seu. E estava a ver,coitado,que naquele ano iria acontecer o mesmo. A vida estava cada vez mais cara e o patrão não havia meio de dele se condoer.
Quando as férias acabassem,que cara poria ele lá no emprego,ao ouvir falar os colegas das delícias das suas em Cancún,nas Bahamas,em Cuba,em Miami,nas Seychelles,e assim por diante? Sim,que cara ele mostraria? Uma cara ridícula,certamente,se ele,coitado,a contrapor,quando muito,só poderia dizer que tinha gasto essa mísera semana em Paio Pires ou na Baixa da Banheira,sem menospreso,claro, por estas duas honradas terras.
Teria de ficar calado,reduzido à sua insignificância,engulir em seco,e começar a pensar em mudar de emprego,que naquele já estava aviado. Nem colegas,nem patrão lhe dariam a mínima importância. Não era ali mais do que um zero à esquerda. E então,minhas ricas encomendas. Nunca mais sairia do degrau de acesso,da soleira da porta.

domingo, 22 de junho de 2008

ATÉ CANTAVA

O fragor daquela nascente queria dizer alguma coisa de muito bom sobre o que se estava passando em demais lugares. Ainda há bem pouco tempo era só um tímido fio que dela brotava,embora isso quase apontasse para um milagre,tantos tinham sido os meses em que não viera do céu água que se visse. Apenas uns míseros borrifos,ali e acolá.
Mas naquela altura,não. Podia dizer-se que até cantava,e forte,pois se ouvia a sua voz ao longe. E era ver aquela água correndo por caleiras,dia e noite,sem descanso. Estava ali a fazer muita falta uma albufeira.
Queria dizer que o manancial que lhe dava vida se revitalizara. Queria dizer que a terra em seu redor ,e ,porventura,de afastados sítios,que o sitema de vasos comunicantes é uma realidade,se saturara,dispensando água que estava a mais,e que seria muita.
Tendo água caído em abundância por muitas bandas,não seria muito ousado pensar que coisa similar estivesse ocorrendo nelas. E que muitas nascentes tivessem readquirido a sua função,alimentando ribeiros e estes rios.
Parecia ser este regresso a uma vida plena,depois de tanto tempo de angústia e de perdas vultosas,um caso para ser noticiado com júbilo. Mas não,casos destes pouco interessavam.

"A MAROMBA DE SEMPRE"

Em DOURO,de António Barreto,vem:"Não se faria um grande vinho...Como não se faria,sem a ciência e a técnica terem encontrado remédios para o oídio...,a filoxera...,o míldio......e a maromba de sempre". Esta ciência e técnica estão ligadas,no caso da maromba, à Estação Agronómica Nacional,como está no Dicionário da História de Portugal,de Joel Serrão,continuado por António Barreto e Maria Filomena Mónica,pelo escrito de Ário Lobo de Azevedo:"...da descoberta do tratamento da maromba que,com custos reduzidíssimos,provocou aumentos de produção da ordem(aos preços de hoje) do milhão de contos/ano,...".
O autor da ciência e da técnica já lá está com DEUS,o que fez as análises a confirmar, também. Só ainda cá está,o moço,agora um velho,que calcorriou,subindo e descendo socalcos,a Quinta de Santa Bárbara e outras,a colher amostras de terra e de folhas,de zonas afectadas e sãs. Para isso, teve a pronta ajuda,em transporte e pessoal, da Casa do Douro.

AGRADÁVEL SURPRESA

Alta,magra,pálida,cabeça oxigenada,quase branca,um mostruário de "piercings",nas orelhas,enfeitando a boca e os olhos,quarenta anos confessados. Dirigiu-se a uma mesa,ao fundo da sala,poisou um maço de tabaco,foi ao balcão buscar um café,sentou-se e acendeu um cigarro. A duas mesas de distância,estava uma senhora de idade vetusta e o marido,um velho também. Logo a seguir,junto a uma janela,um cavalheiro,já avô. Estão feitas as apresentações.
O cavalheiro pega no seu cachimbo,acende-o e volta-se ,duas ou três vezes,para melhor observar a cabeça oxigenada. Na última vez,pergunta à senhora de idade vetusta se está a incomodar. Esteja à vontade,que não incomoda nada. Até estou a gostar,pois o seu tabaco é perfumado.
E ali começou uma conversa ,que parecia ser a continuação de muitas outras,tal a naturalidade do diz tu e depois eu. Aproveitando ocasião propícia,a cabeça oxigenada interveio,entrando no jogo. E foi uma bonita troca de impressões a quatro. E foi também uma agradável surpresa,pois o comando das operações passou,com todo o merecimento,a pertencer-lhe.
Pode dizer-se que era uma cidadã do mundo. Só na Suiça estivera quatro saudosos anos,os melhores da sua vida. Aquilo é que é um país. Que civismo,que organização,que asseio. Estava envolvida no movimento de protecção dos animais. Coitados deles. É preciso quem os defenda. Fazem-se hoje tão boas imitações,que é uma dor de alma saber-se que continuam a ser dizimados por causa das suas peles. E assim por diante.
Os empregados estavam de boca aberta,surpresos e suspensos. Tinham de passar a tratá-la com mais consideração. O casal de velhos teve de abandonar a cena,pois se estava fazendo tarde,e os outros dois lá continuaram na vonversa.

CARRAÇAS E COELHOS

Era de fugir,não pelos coelhos, coitados,mas por via das carraças. Mas era aquilo um crivo nunca visto. Até parecia um milagre as azinheiras manterem-se,ali,de pé. É que as tocas eram tantas que quase se não tinha sítio onde pôr o pé. Também havia o risco de um ou os dois se enfiarem pelos buracões.
É claro que o trabalho estava muito facilitado. Quase bastava olhar para a terra que viera lá de baixo. Não se podia era estar muito tempo parado,que as carraças punham-se logo a trepar,não escolhendo superfície. Andariam de barriga cheia,pois limitaram-se a passear por caminhos estranhos. Mas não era nada agradável vê-las ali amarinharem pelas calças ou sabe-se lá mais por onde.
Quem também não gostava nada destes conjuntos eram hortejos,não,pelas carraças,mas,agora,pelos coelhos. E está-se mesmo a ver porquê,mesmo com muros a separar. É que eles eram exímios em passar por baixo. E então,adeus,minhas hortaliças.

MÁRMORE NAS SOLEIRAS

Era aquele canto um outro Alentejo. Um povoamento de castanheiros de talhadia estava ali bem à vista. As hastes esguias,de tão densas,erguiam-se a custo. Seria uma imitação,um arremedo.Mas ali se perfilavam,um tanto barulhentas,pelo agitar da folhagem,a mostrar como o clima tem os seus nichos.
A terra era vermelha sanguínea,coberta,em grande parte,por oliveiras muito bastas. Na fotografia aérea,o instrumento de trabalho,manchas negras dominavam,quase sem clareiras,dificultando exame e localização. Foi o único sítio em que teve de intervir fita métrica,de modo a tornar os registos mais rigorosos.
Ameixoeiras de alto porte explicavam as esteiras de secagem de negros frutos. Bandos de moscas e familiares volteavam em ruidosa azáfama,não sabendo,talvez,onde poisar. Felizmente que lá estava o sol a pôr tudo aquilo no são.
As soleiras e os umbrais das portas,sem distinção,eram de mármore,do melhor. Havia, e há,por lá,para dar e vender. Pena é que se formem crateras. Naquela altura,de rudimentar tecnologia,a roupa negra nas mulheres era mais frequente do que noutros locais. De vez em quando,lá se dava um esmagamento,precalços do ofício.

AQUELA PERNA

Daquele alto,qual promontório entrando por mar verde,a vista era soberba. Lá estava ainda a linha do comboio. Fora por ela que ali tinha chegado,há já muitos anos,fora por ela que tinha partido,ainda mal aquecera o lugar. Mas sempre tinham sido uns largos meses,o tempo do seu primeiro emprego.
Estava ali,há já um bocado,matando saudades,quando se aproximou um velho,como ele. Não o vira ali nessa altura,ou estaria muito mudado,o que não era de espantar. Afinal,sempre morara naquela terra,só que trabalhara para outros patrões,dali afastados. Então,deve conhecer o Aleixo.
Não havia de conhecer,um moço da sua geração. Olhe,vive além. Tem andado muito adoentado. É aquela perna,que não o larga. Se quer falar com ele,vou chamá-lo. Não o incomode,coitado. Também tenho de ir andando,que se está fazendo tarde.
O Aleixo. Tivera um desastre,em moço,e ficara a coxear. Mas tinha de ganhar a vida,que as ajudas eram poucas. Não se podia era meter em grandes aventuras,pelo que se resignara. Talvez por isso gostasse mais dele,pelo que,quando precisava de colaboração,era a ele que recorria.
O irmão era muito diferente. Homem dos sete ofícios e dos sete fôlegos. Estaria ocupado o dia inteiro se não tivesse de descansar um pouco. Trabalhava à jorna e por conta própria. O tomate e o arroz não tinham segredos para ele e deve ter ido longe. Talvez o Aleixo tivesse beneficiado dessa força.

VIDEIRAS ESFOMEADAS

Tudo quanto vive precisa de comer,como bem se sabe. Neste tudo estão as plantas, como também é assaz conhecido. A videira é uma planta,não podendo fugir,pois, a essa coisa vital,que é o comer.
Ora o comer não é acção simples,é mesmo muito complexa,escusado será dizer. Para o que agora interessa,põe-se a variedade. E aqui, entra o azoto,o fósforo,o potássio,o cálcio,o magnésio,e mais uns tantos. E nestes tantos está o manganésio,de que certas videiras estavam carentes,ainda que não se soubesse.
Pois foi desta carência que tratou um estágio. Mas para se chegar às doentes teve muito que se lhe diga. Para já, ficavam longe e só um ilustre professor sabia onde. Ele gostaria de lá ir indicar,mas não tinha transporte. Felizmente que houve alguém que cooperou,pondo um carro logo à disposição. E lá foi o ilustre professor levar o moço ao local do "crime". Lá chegados,nunca mais o moço esqueceu as suas palavras. Agora,é consigo.
Felizmente que apareceram mais ajudas. É que estavam em causa videiras esfomeadas. E perante isto,não houve porta a que ele batesse,de mão estendida,que dissesse não. O resto foi simples. Foi colher terra,foi colher folhas,e analisar. E viu-se logo o que ali estava a faltar. Era mesmo fome de manganésio,claro como água límpida,até uma criança via ao olhar para certas chapas impressionadas. Chapas de que um outro ilustre senhor dispunha,sabendo trabalhar com elas,ensinando.

sábado, 21 de junho de 2008

BIFES

Parecia que o jovem iria ter um grave problema para resolver, quando lhe apetecesse almoçar. É que onde ele conseguira,com muita sorte,um estágio pago,não havia refeitório,nem se vislumbrava por ali perto uma taberna,quanto mais coisa melhor.
Trazer de casa não dava jeito,pois vivia num quarto. Mas ele continuava com sorte. É que trabalhava num laboratório. Cozer umas batatas e fritar um bife pouco diferia do que ele tinha de fazer. Esteve assim meses. Era para se cansar,mas quem corre por gosto não se cansa,muito em especial em começo de vida.
Os pobres dos bifes,às vezes,apanhavam grandes escaldões ou grandes molhas. Sucedia isso quando a camioneta,que o devia transportar,avariava. Então,tinha de recorrer ao comboio,que o não deixava à porta. Era obrigado,assim,a palmilhar uma boa distância,de início,junto à linha,depois ,por um baldio.
Mas qual seria a alternativa? Ainda se tinha de dar por muito feliz,pois podia comprar bifes,um luxo para muita gente.

ENSINAMENTOS

É sabido,de há muito,que algumas terras agradecem,para certas culturas,que se lhes aplique,de vez em quando,calcário ou coisa equivalente. A quantidade não pode ser uma qualquer,mas há meios para a indicar. Não é isso do conhecimento de toda a gente,mas alguns têm obrigação de o saber.
Vem isto a propósito de um encontro do dono de uma herdade,um senhor de avançada idade, com um jovem que lhe andava a examinar os solos para efeitos de cartografia. O encontro foi amistoso,mas ,mesmo assim,o jovem passou um muito mau bocado,pois o senhor sabia demais.
Decorria,naquela altura,uma campanha,a nível nacional,para estimular,quando fosse caso disso,o emprego de calcário. E o ancião,do alto da sua muita sabedoria e experiência,aproveitou para descarregar,amavelmente, no moço,a sua muita estranheza.
Vocês sempre andam muito atrasados. Já faço isso há muitos anos,eu até tenho um aparelho que me diz quanto devo aplicar desse produto nas minhas terras. Como vê,não preciso de ensinamentos.

O MAR ERA AMARELO

De vez em quando,sabe bem ir de excursão ali e acolá,não à toa,mas de maneira planeada. E foi o que aconteceu certa vez.
Para o arranque,visitou-se um pomar de citrinos,de centenas de hectares. Empreendimento notável,não restava dúvida. Ali andava mão de pessoa de forte ousadia e de vasto saber. A terra era um crivo de malha grossa,com o risco da água de rega se escapar com rapidez demasiada. Mas ela não se perdia,pois era recolhida,algures,para nova utilização. A zona era sujeita a geadas. Para evitar ou,pelo menos,reduzir prejuízos,havia aquecimento artificial.
Seguiu-se um terraceamento fabricado em xisto,segundo as curvas de nível. A erva semeada revestia patamares e taludes. Pena era que os pastores não estivessem para ir com o gado aos locais mais elevados,o que prejudicava o bom andamento do coberto. Para que se haviam de cansar, eles e companhia,se a erva era abundante em cotas mais baixas? Quem manda é quem vive lá no sítio,conceito muito antigo,às vezes ,não tido em conta.
A terceira paragem foi também de dividendos. O mar ali era amarelo. O girassol,em plena floração,estendia-se a perder de vista. Uma consolação.Tudo quanto se mostrou indicava, claramente,que a torneira do mais que tudo estaria sempre aberta,de caudal sem restrições. O gado leiteiro,às dezenas,viera de fora,em grande parte,e os cavalos eram de raça. Até se dispunha de técnicos especializados,um luxo. Ali não se brincava em serviço. O pessoal tinha férias pagas,na praia,com a família. Com um patrão destes dava gosto trabalhar.
O final coube a outra empresa modelo. Naquele dia,vários agricultores de ali perto tiveram a mesma lembrança. Como era muita gente,a observação dos diferentes e afastados cantos foi feita em atrelados,com bancos especiais,os clássicos fardos de palha. Alguns não mais os esqueceram,pois teriam sido os causadores de uma comichão dos diabos. Um dos companheiros,ali vizinho,põs a adega,adega de fama, à disposição. Nunca se vira tanta aranha junta. Só os copos é que estavam isentos,por razão óbvia.
Não podia ter terminado melhor a excursão. Ficou-se,assim,com vontade de repetir.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

EMBRUXADO

A sala onde tinham lugar as reuniões parecia um museu. Dificilmente se circulava entre os móveis ,atravancados de fotografias de família e de toda a espécie de bugigangas. A luz do dia,coada por pesadas cortinas,mal permitia ler.
A dona da casa, uma senhora muito alta e muito magra,de fundas olheiras negras,sempre trajada de escuro,aparecia,às vezes,vinda de um quarto soturno. Os seus passos eram lentos,um tanto arrastados. Raramente falava. E quando a isso se dispunha,a sua voz era lúgubre e quase inaudível.
A casa tresandava a mistério e dela se exalava um leve cheiro a coisa recentemente queimada,de mezinha,talvez para anular más influências,maus olhados. Sempre que se tinha de lá ir era com alguma relutância. Deviam andar por ali bruxas.
Passou-se isto há muitos anos,mas a desagradável impressão permanece,sem se atenuar. Teria ficado embruxado? Sabe-se lá.

MAIS UNS PATACOS

Eu bem sei o que ele quer . Vai ver,vai sondar,e se aquilo lhe convier manda recado a dizer que arrangem outro. Mas comigo não brinca. Pois não o deixo ir. Era o que faltava. Quem manda aqui sou eu. Dá-se-lhe um emprego,que podia ser para um mais necessitado,e,depois,é isto. Pelo menos,foi o que constou.
Recebeu uma informação favorável do director da casa onde ele trabalhava,depois outra e ainda mais outra,e as três foram rejeitadas. Já era teima,de ambos os lados. Uma quarta não o apanhou,pois tinha ido dar uma volta. E o seu substituto disse logo que sim. Que mal causava ao serviço o rapaz estar três meses ausente,ainda com a vantagem de não lhe pagarem,pois ia com licença sem vencimento?
Quando veio lá da volta e soube do que se tinha passado,foi um nunca mais acabar de ameaças. E o pobre do moço,lá longe,recebe,muito perto do regresso,uma carta. Olha que ele está decidido a deixar-te na rua. Se apareceres cá,um só dia que seja,depois da licença expirar,encontras a porta fechada. E ele teve de pôr pernas ao caminho,ainda febril,por infecção de um espinho mau,pois ninguém gosta de ficar na rua.
O pobre do moço,afinal,tinha ido apenas ganhar mais uns patacos,mas ele de patacos não queria saber.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

BURACO TAPADO

O buraco já lá não está,mas encheu-se de água ,no inverno,por alguns anos. Era para se ter erguido ali um prédio de muitos andares. Lindos sonhos ele engendrou. A prespectiva mostrava-se,de facto,tentadora,em particular para alguns,que iriam ter morada mesmo quase à porta do emprego.

Seria para estes ouro sobre azul. E,assim,não havia fim de semana que não incluisse uma visita demorada àquele local. O buraco lá continuava,mas já se viam ali instalados ,olhando quase o mar,ali tão perto,e recebendo o cheiro a campo de uma vasta ária que reunia condições para resistir por muito tempo à onda de betão.

Mas o homem põe e Deus dispõe. E,inesperadamente,um certo choque ocorreu,produzindo sérios desarranjos. As contas não tinham tido em conta tal choque,e,assim,alguém iria perder muito dinheiro. Foi o fim dos lindos sonhos.

O buraco acabou por ser tapado,desta vez,com outras contas,ajustadas aos novos tempos. Mas foram outros que ali passaram a sonhar.

COISA SEM JEITO

Estava tudo a correr como devia ser. Oh senhor guarda,pode dizer-me para que serve esse gradeameto? E o senhor guarda,prazenteiramente,esclareceu. E ali se puseram à conversa,uma conversa variada e que parecia não ter fim. Mas tudo em boa paz,como se fossem amigos de longa data.
O senhor guarda era um homem interessado e o outro não lhe ficava atrás. Tinha este mais fortes razões para isso,mas ficaram elas bem guardadas. Pelo menos,tudo fez para que elas não se mostrassem. Mas foi em vão.
É que,inesperadamente,quem é que havia de aparecer? Alguém que conhecia muito bem o outro. E,sem mais nem menos,pôs-se ali a revelar uma situação que se quisera silenciada.
Foi uma tristeza aquilo. Para mostrar ao senhor guarda os seus galões,teve de descobrir a careca ao outro. Uma coisa mesmo sem jeito.

ABALO FORTE

Era bom,mas acabou-se. Demoliram há dias a sua querida barraca,a última de um punhado delas. Fora a sua casa durante muitos anos,mas,sobretudo,a sua base de trabalho,o seu armazém.
Far-lhe-ia um grande jeito,mesmo ali a dois passos do cruzamento onde fazia pela vida,vendendo flores.Teria metido empenhos para lá permanecer.
O abalo foi manifestamente forte,quase vital. Não parece a mesma. Ali deve haver outra coisa,uma coisa muito séria. Emagreceu,empalideceu,amoleceu. Ela já não é nova,longe disso,mas mostrava energias que causavam admiração.
Aquilo não deve ser só um caso de mudança de lar,aliás,para muito,muito melhor,pois teve direito a uma morada decente. Vêm-na rondar o local do seu antigo palácio,repetidamente cruzá-lo,pisá-lo,demorando-se.
Sentirá falta dos cheiros,dos sons. Sentirá falta das tábuas,das chapas,das pedras,do chão,da fossa. É capaz de sentir falta de outros inquilinos,que já fariam parte da família.

A ÁGORA

A senhora valia mais,muito mais,do que pesava. Já não era nova,mas estava ali cheia de vigor. Baixa,atarracada,de trunfa loira. Vinha toda revestida de cabedal negro ou coisa parecida e trazia um saco, negro também,de cabedal ou coisa a imitar.
Muito ela sabia de passes e de senhas. Um livro bem aberto. Quem recebia a lição,mal tinha tempo de pôr as suas dúvidas.Alguém,ali perto,admirado de tanto saber,não resistiu. A senhora estava mesmo bem para advogada ou deputada.O que ele foi dizer. A conversa já chegou à casa de banho? Ficou-lhe de emenda. Bico calado,pois,não fossem sair mais flores daquela boca. A dada altura,aquela de advogada ou deputada,que ficara armazenada,veio ao de cima. Deputada. Farta de exploradores estou eu,e outras no género. Um mimo.
Mas o que são as coisas. A senhora e esse alguém acabaram por sair na mesma paragem. Foi isto motivo para uma perseguição discreta. Tendo perdido,queria ver se recuperava uma parte.
A senhora dirigiu-se a uma estação de correios para um telefonema e ali se demorou uns largos minutos na função. De lá saída,passou rente ao perseguidor de ocasião,de telemóvel engatilhado. Ainda bem que você está em casa. Não se ouviu mais nada,mas continuou-se a ver o telemóvel a fazer o seu trabalho.
Para onde iria ela? Pois assentou arraiais num banco de jardim,um jardim muito especial,com um relvado de campo de futebol. Poisou o saco e veio actuar naquele largo espaço,naquela ágora,bem à medida dos seus dotes. Ali permaneceu,sempre movendo-se,para a frente,para trás,para os lados. O braço livre não parava de se agitar,para o alto,em círculo,para baixo. Esteve nisto,pelo menos,meia hora,que foi o tempo de que o perseguidor dispôs,por se estar fazendo tarde.
O perseguidor está convencido de que ela foi estimulada pelo elogio que lhe fizera,aliás,assim considerado por testemunhas,e que ela,aparentemente,não aceitara. Deve ter querido mostrar,talvez a ela,que ele,afinal,não exagerara.

ATREVIMENTOS

Era um atrevimento,ele sabia,mas não se conteve.Atrás dele,em bicha,estava uma senhora ajoujada com dois sacos quase a romperem-se. Mas faltavam ainda coisas. Ao lado,perfilavam-se latas de comida para gatos. Pôs algumas no saco que lhe pareceu ainda aguentar mais um peso.
A senhora trata bem dos seus gatinhos. Mais vale alimentar os pobres animaizinhos do que muita gente que anda para aí. E olhou-o de cima a baixo,em jeito de o meter na companhia de tal gente.
Deu-lhe,ao atrevido, para continuar. Olhe que não será bem assim. Essa gente de que fala são pessoas, e se algumas não parecem,a culpa não será toda delas. Entretanto,estava chegando a sua vez. Como não tinha pressa e em tentativa de quebrar o azedume da senhora,convidou-a passar à frente,invocando a carga que levava.
Aceitou,um tanto contrafeita. Por duas vezes,deu mostras de querer voltar ao seu lugar,talvez por não estar disposta a alterar o conceito que tinha de tanta gente,onde,certamente,o incluiria.
Noutra ocasião, o atrevimento estava bem fundamentado. Olhe que não pode deixar aí o carrinho. Tocara,ao de leve,no tecido que lhe revestia o braço. O que ele foi fazer. Neste braço,só o meu marido é que toca,mais ninguém. Isto,para meio mundo ouvir. Peço muitas desculpas,mas o carrinho não é para ficar aí. Ficou e continuou a mimoseá-lo com aquela tirada,até desaparecer ao longe.

MEIO BILHETE

Eram oficiais do mesmo ofício e ambos reformados. Um ,era,pode dizer-se,rico,o outro,remediado. As pernas já lhes pesavam e só muito raramente se viam.
Certa tarde,o remediado tinha saído de um comboio,e o rico esperava por outro. Olha lá,que idade tens?,perguntou o rico. Sessenta e seis. Então já tens direito a meio bilhete. Faz como eu,que não perdoei um dia sequer.
Era uma segunda-feira. O rico ia ao cinema,pois neste dia havia desconto, uma coisa de nada.
É assim que se fazem as fortunas.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

ESPLENDOR E REALIDADE

Quem não se apiedaria à vista daquele quadro,de há muitos anos? Estaria ali deslocado,um tanto escondido,no meio de tanto fascínio.
Uma velhinha contava as escassas moedas que lhe restavam. A consternação que vinha de toda a sua figura. Não se lhe viam lágrimas,talvez porque as não tivesse já,tantas teria vertido ao longo da sua longa vida. Acompanhava-a a netinha,de ar não menos triste.
Por detrás,quase a tocar-lhes,uma montra exibia,provocadoramente,o seu magnífico recheio,umas ricas peças de carne,de vermelho vivo. Bom jeito lhes faria uma pequena fracção de qualquer delas. Mas como obtê-la? O seu dinheiro não dava para tal luxo e assim, nada feito.
A avozinha havia de recontar uma e mais vezes,talvez na esperança de algum milagre. E chegaria sempre à mesma conclusão. Aquilo não era para elas,estava destinado a outras bocas.
Mas porque diabo o teriam ali posto? Já era vontade de estragar a festa de todo aquele esplendor. Seria a realidade da época e havia que a respeitar.

ESPADELADA

Afinal,ainda havia espadeladeiras. Seriam umas vinte,algumas vestidas a rigor,recriando tempos passados. Fizeram roda,cantando com alma,sob a batuta do regente,todo senhor das suas funções.
O terreiro apinhou-se,que a noite colaborava. Alguns procuraram janelas e escadas,pois a muralha dos que se tinham adiantado não facilitava a visão do espectáculo. O linho era batido como mandavam as boas regras em espadeladores de cortiça.
O tomento impregnava os ares,fazendo debandar os mais fracos,aí uma meia dúzia,se tanto. Causava espanto ver tanta gente capaz de suportar a investida daquela multidão de resíduos, de forte poder infiltrante. Os que estavam em pior situação eram as obreiras,mas elas não davam mostras de se afligirem,espadelando por tempos sem fim.
A toada do canto acompanhava o ritmo do trabalho,também sem desfalecimentos. Nada entupia aquelas gargantas,parecendo que um filtro invisível as protegia. O mesmo não acontecera,pelo menos,à viaturas que por ali se arrumaram. Por muitos dias ainda se descobriram farrapos de linho nos seus interiores.
Fora com gente desta que se fizera um país que dera novos mundos ao mundo.

OUTROS VOOS

Baixo,activo,inteligente,olhos muito verdes. Ainda andou até ao terceiro ano do curso. O pior estava passado,mas aquela visita da irmã,a viver lá no outro lado do mar,foi uma tentação,não do diabo,mas do seu anjo da guarda.
O que estou eu para aqui a fazer?,depois de se inteirar do estado da carteira da irmã. E,quando a visita terminou,lá foram os dois. Não resistira ao apelo da árvore das patacas.
Ainda mal acabara de chegar,uma rica árvore veio ter com ele. Bastava agitá-la,que ela não se cansava de dar fruto,de fácil desprendimento. Não estava milionário,mas por aquele caminhar chegaria lá mais cedo do que ele alguma vez sonhara. Faltava,ali,para compor o ramalhete,uma companheira. Olhou à roda e não gostou do que viu.
E se eu fosse lá à santa terrinha? Não é tarde ,nem é cedo,parto já amanhã. A coisa foi rápida,que tempo é dinheiro. E num instante estava casado. Foram mais uns anos a acumular. Mas uma ideia passou a persegui-lo. Aquele curso fora interrompido. Era uma pena ter ficado assim. E se eu fosse lá acabá-lo? Veio e ficou engenheiro.
Ainda se empregou,mas por muito pouco tempo. Fora aquilo só para mostrar,a si,e,talvez a outros,que era capaz de outos voos.

terça-feira, 17 de junho de 2008

HORAS À JANELA

Do seu andar,via-se uma ampla e variada paiasagem,que não a atrairia por já sobejamente a conhecer. Estaria mais interessada no primeiro plano.
A poucos metros,lá em baixo,desenhava-se uma espécie de fronteira. Para além dela,perfilavam-se vários prédios com locatárias especiais. Não teria necessidade de binóculo,mas talvez o tivesse usado. O movimento de entradas e de saídas não parava,dia e noite. Teria sido apanhada de surpresa. Não o esperaria,mas o espectáculo ter-lhe-ia agradado.
Passaria horas à janela. As observações lá do alto não a teriam satisfeito. Teria querido ver mais de perto,o que era simples. Bastava abrir uma porta. Depois,eram apenas uns passos em frente ou para o lado,direito ou esquerdo,tanto fazia,e subir meia dúzia de degraus.
Deve ter feito uma incursão de reconhecimento. As surtidas ter-se-iam repetido e prolongado,passando a aborrecer o regresso a casa. Finalmente,optou.

TURISTAS DE PÉ DESCALÇO

A baía é um encanto. A tarde estava amena. Nas águas, balouçavam,mansamente,pequenas embarcações,e na praia minúscula descansavam gaivotas. De vez em quando,lá vinha da faina mais uma traineira.

Como isso não bastasse,dois jovens escultores tinham vindo acrescentar mais um elemento à paisagem. Uma elegante sereia estendia-se, preguiçosamente,no areal. Ao lado,apelava-se,em letras garrafais,à generosidade das gentes que passavam. Uma toalha servia de bandeja para as ofertas. As moedas que errassem o alvo não se perderiam.

Os louros rapazes mereciam que os compensassem. Seriam turistas de pé descalço,paciência. Nem todos podiam ser tão abonados como os que enchiam o hotel que ali perto se erguia. Alguns deles nem quiseram olhar para os moços,nem para a sua obra,quanto mais atirar-lhes uns cobres. Estariam a comprometê-los,enodoando-lhes a bandeira.

TIMONEIRA DE ELEVADOR

Vou ver se arranjo as coisas de maneira a poder estar mais vezes contigo. Isto dizia,de forma assaz indiscreta,um conquistador já muito experimentado. Ela acabara de se render,uma moça que podia ser sua filha.
Era a timoneira do elevador,naquela altura à espera de nova viagem. O tempo de descanso parecia eternizar-se,acentuando o desconforto de uma estrangeira velhinha. Que desaforo,queriam dizer os seus cansados olhos. Temeria também pela sua segurança.
Sim,que a donzela,transtornada pelo namoro em serviço,era capaz de não dar conta do recado,provocando algum desastre. Assim não aconteceu,de facto,que o diabo nem sempre faz das suas.
A senhora é que teria suspirado de alívio quando se viu a salvo e jurado que não a veriam por ali outra vez. Que país este. Para assistir a uma coisa destas,não valeria a pena a deslocação. Tê-las-ia também lá no seu. Afinal,tudo estava cada vez mais igual.

PRADARIAS DO CANADÁ

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segunda-feira, 16 de junho de 2008

COITADINHOS

Os ursos brancos não sabem o que fazer à vida. Estão a ver que não têm para onde ir. É que os gelos estão lhes fugindo debaixo das patas.
Muito ao contrário,há quem rejubile com tal fenómeno. Querem lá saber dos ursos brancos. Eles que se arranjem,como se arranjaram antepassados seus,adaptando-se,mudando de cor,uma mais de acordo com novos ambientes. É a sobrevivência,é a luta pela vida,nos individuos,nas espécies.
Com o degelo,uma nova rota marítima,pelo menos,irá estar disponível. Mas, mais do que isso,essa pelo menos uma parece ter cara de ser mais vantajosa para todos,lucrando até o consumidor.
Enfim,tudo indica que os únicos a chorar,para já,serão os pobres dos ursos brancos. Coitadinhos deles. Eles que se arranjem.

CORRIA DEZEMBRO

De pé,em grupos ou isolados,alguns jovens esperavam,naquela manhã gélida,que alguém da empresa aparecesse. Tinham respondido a um anúncio. As caras mostravam-se apreensivas. Nem todos,provavelmente,seriam atendidos. Quem ficaria de fora?
Lembrava isto as "praças" de tempos atrás. O largo da terra enchia-se de braços de todos os vigores. Os mais velhos ficavam um tanto à parte,já desiludidos. Mas,às vezes,podia calhar,por isso ali estavam também.
Chegavam os capatazes. Os rostos coloriam-se e os corações apertavam-se. Era grande a expectativa. Estava em causa o pão das mulheres e dos filhos,para não falar de outras necessidades. Mas a boca merecia mais cuidados.
E o apontar começava. Tu,Manel,tu,Chico,tu,Tónio. E outro Manel,outro Chico,outro Tónio lá ficavam,quantas vezes, a ver navios. O merceeiro teria de ter paciência,que o diabo nem sempre andava por ali. Um dia pagariam,que eles não eram de ficar a dever,nem lhes conviria.
Os jovens,afinal,estavam cheios de sorte. Corria Dezembro,o mês das festas,grandes e pequenas. Não havia braços que chegassem. Pena era,como é uso dizer-se,que o Natal não fosse todos os dias.

À VONTADE

Um senhor muito sério,por razões da sua vida,tinha de ir passar uns largos meses em grande metrópole,de que nem um canto sequer conhecia. Ora,constava-lhe,que lá,nessa metrópole,a pouca vergonha era muita,e isso trazia-o assaz preocupado. Um amigo tranquilizou-o. Fica descansado,que eu sei de um pequeno hotel,mesmo à tua medida,onde te irás sentir como em tua casa.
Instalou-se. O amigo parecia ter acertado. Ele estava a gostar das pessoas,do tratamento,de tudo. Era mesmo aquilo que ele sonhara.
Uma noite,estava ele em conversa amena com a gerente,quando vê entrar,muito sorrateiramente,um vizinho de quarto,acompanhado de uma dama.
Ia-lhe caindo a alma aos pés. A gerente reparou. Sabe,ele já cá está há muito,é como se fosse da família. E você,se também precisar de fazer o mesmo,como gostamos muito de si,esteja à vontade.

domingo, 15 de junho de 2008

PARA NADA

Aquele jardim podia chamar-se jardim das oliveiras,tantas são as que lá puseram. Carregam-se de flores,que é um gosto olhar para elas. Vingam as flores na sua maior parte,que as condições,de água e de comida,não podiam ser melhores. É uma profusão de azeitoninhas por todos aqueles raminhos. Cintinua a ser um gosto olhar para elas. Mas bem cedo o gosto se vai.
É que as azeitoninhas dão em cair,que é uma dor de alma. Pode dizer-se que não fica uma para amostra. Todos os dias o chão se atapeta delas,ficando numa lástima,sobretudo,lá para o final do ciclo,quando da maturação . Nesta fase,chega a ser repelente.
É um cheiro a ranço o que por ali se sente. E tão forte ele é que até as formigas espanta. Não se ouve por ali perto um pássaro. Passam todos de largo,como fugindo de uma peste.
Dizem que não há remédio,que é da maresia. Pode ser,mas que é triste,é. Tanta promessa para nada. Antes as lá não pusessem. Querendo-os lá,o mais indicado era esterilizá-las.

DE MÃO DADA

Mal se reformara,fora-se-lhe a mulher. O resto da família tinha mais que fazer. Uma tristeza. Para afogar as mágoas e entreter os ócios,fizera-se consumidor de sessões musicais. Não falhava uma,quase se pode dizer. Saltava de uma para outra,num frenesim,olhando para o relógio,não fosse perder uma nota.
Mas a mulher perseguia-o. E era um carpir permanente. Amigos e conhecidos de qualquer data tinham de o animar. Parecia ser companhia para sempre,até ao último suspiro,mesmo até à eternidade.
E um dia,alguém o viu de mão dada com uma dama,assim como num namoro recente. Não quis acreditar,estaria sonhando. Deveria ser um familiar,uma irmã,talvez,seria a única explicação. Mas noutro dia,ficou tudo esclarecido.
Então,arranjou um cão para se defender dos larápios? É o cão da minha mulher. De tanto pensar nela,cheio de saudades,dera-se o milagre. Ela tinha ressuscitado e aproximava-se,ligeiramente.

O BURRO NÃO SABIA

Vivia em permanente desassossego aquela mãe. Bem gostava ela de ficar em casa,por índole e por ser fraquinha. Mas não podia ser. Como muitas,por esse mundo além,teve de arranjar um emprego e alguém que a ajudasse nos afazeres domésticos. O emprego era estável,ao contrário das auxiliares. De quando em quando,lá lhe fugiam.
Nestes transes,tinha de pôr pernas aos caminhos,acompanhada da prole. Um dia,depois de várias tentativas frustradas,entrou num incontido desespero. O filho mais velhinho deu conta e quis colaborar.
Passavam num descampado,à vista de um burro,que,pacientemente,tasquinhava erva rala. Olhe mãe,está ali um burro. Pode ser que ele saiba de alguma empregada.Vamos parar e perguntar-lhe. O burro não sabia,mas sabia o seu dono.

GANDHI

A única revolução possível é dentro de nós.
Edição em PDF,de eBooksBrasil

sábado, 14 de junho de 2008

HORAS SEM FIM

O barco naufragara,na viagem de regresso de grande e perigosa aventura. Só ele se salvara,mas deixara lá,nas águas com sal de muitas lágrimas,uma perna e um braço.
Não se sabe como está ele ainda vivo,passados que foram tantos anos. Até já se lhes perdeu o conto. Não lhe tem valido,para seu sustento,qualquer tensa,por minguada que fosse. Teria de ser poeta,como o vizinho do canto. Assim,tivera de se desembaraçar,escolhendo um local estratégico,a entrada da memória de um épico empreendimento.
Ali permanece horas sem fim. Sentado num degrau,à esquerda ou à direita,tanto faz,mostra as ausências,esperando que um copo translúcido se vá enchendo.
Assim tem aturado. É isto mais do que justo,pelo muito que ele, e tantos como ele, fizeram. Mas,atendendo,pelo menos,à solenidade do lugar,já se podiam ter lembrado dele,arranjando-lhe um poiso mais confortável.

CEDRO DO LÍBANO

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