quinta-feira, 19 de junho de 2008

A ÁGORA

A senhora valia mais,muito mais,do que pesava. Já não era nova,mas estava ali cheia de vigor. Baixa,atarracada,de trunfa loira. Vinha toda revestida de cabedal negro ou coisa parecida e trazia um saco, negro também,de cabedal ou coisa a imitar.
Muito ela sabia de passes e de senhas. Um livro bem aberto. Quem recebia a lição,mal tinha tempo de pôr as suas dúvidas.Alguém,ali perto,admirado de tanto saber,não resistiu. A senhora estava mesmo bem para advogada ou deputada.O que ele foi dizer. A conversa já chegou à casa de banho? Ficou-lhe de emenda. Bico calado,pois,não fossem sair mais flores daquela boca. A dada altura,aquela de advogada ou deputada,que ficara armazenada,veio ao de cima. Deputada. Farta de exploradores estou eu,e outras no género. Um mimo.
Mas o que são as coisas. A senhora e esse alguém acabaram por sair na mesma paragem. Foi isto motivo para uma perseguição discreta. Tendo perdido,queria ver se recuperava uma parte.
A senhora dirigiu-se a uma estação de correios para um telefonema e ali se demorou uns largos minutos na função. De lá saída,passou rente ao perseguidor de ocasião,de telemóvel engatilhado. Ainda bem que você está em casa. Não se ouviu mais nada,mas continuou-se a ver o telemóvel a fazer o seu trabalho.
Para onde iria ela? Pois assentou arraiais num banco de jardim,um jardim muito especial,com um relvado de campo de futebol. Poisou o saco e veio actuar naquele largo espaço,naquela ágora,bem à medida dos seus dotes. Ali permaneceu,sempre movendo-se,para a frente,para trás,para os lados. O braço livre não parava de se agitar,para o alto,em círculo,para baixo. Esteve nisto,pelo menos,meia hora,que foi o tempo de que o perseguidor dispôs,por se estar fazendo tarde.
O perseguidor está convencido de que ela foi estimulada pelo elogio que lhe fizera,aliás,assim considerado por testemunhas,e que ela,aparentemente,não aceitara. Deve ter querido mostrar,talvez a ela,que ele,afinal,não exagerara.

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