sexta-feira, 13 de junho de 2008

UM TALENTO

A mulher tinha de se livrar da cozinha e das fraldas. Era uma escravatura. Ela já conseguira e procurava contagiar outras. A meia dúzia de amigas não lhe chegava. Queria mais. E a ocasião chegara.
Apareceu em comícios,defendendo,com vigor,as suas ideias. Recebeu muitos aplausos e muitos convites. Um talento assim não se podia desperdiçar.
De repente,sumiu-se. Não mais foi vista nos locais onde tanto brilhara. Ninguém sabia dela. Gerou-se,naturalmente,uma séria preocupação e uma funda tristeza,sobretudo,nos que tinham lutado a seu lado.
Alguém a vira à janela do seu andar,uns dias antes,numa ruidosa tarde. De fronte,estendia-se uma zona abarracada,com dezenas de anos. E umas três ou quatro das que lá viviam,fartas de tudo aquilo,vieram dizer basta,mesmo junto ao seu prédio.
Queriam uma casa como devia ser. Já não podiam mais com as madeiras,com as placas,com as pedras,para aquilo não voar a um vento mais forte,com as fossas,com as ratazanas. E olhavam para aqueles andares tão jeitosos.
Uma delas não se contivera,sabe-se lá porquê. Cabe-me,agora,a vez. Podíamos trocar por uns tempos. Eu ia para aí e emprestava o meu palácio. Tinha sido isto um mero desabafo.
Mas a talentosa teria pensado que se tratava de uma ameaça e que ela era a visada. E,apavarorada,teria desaparecido.

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