domingo, 20 de julho de 2008

NEM O REI

Não é tanto o que dizem,mas mais como o dizem. É o ar que põem,é a voz que engrossa,que se doutoriza,é o peito que salienta. E,depois,às vezes,não vem nada a propósito. É ali metido à força.
Olhe que isto fica só aqui entre nós,como de segredo de estado se tratasse. E levou o dedo aos lábios grossos. Já reparou bem na minha cabeça,na forma dela,na cabeleira que a coroa? Não lhe lembra tudo isto alguém? É isso mesmo,sem tirar nem pôr. É o rei. Pois venho mesmo em linha recta dele,embora não pareça,um Zé Ninguém,que anda para aqui aos baldões. Coisas que acontecem.
Pois é como lhe digo. Aqui enfiado nesta casota,onde mal eu caibo,quem diria que eu tenho lá na terra um casarão de se lhe tirar o chepéu? Só quartos,são mais de vinte. E as salas? Aquilo não são salas,são salões. Querendo,dava lá festas. Nem o rei,que chegou a morar lá perto,tinha um palácio assim.
Coitados do pianista e do violoncelista,duas estrelas muito brilhantes. Mas ali,naquela altura,pareciam dois planetas despromovidos. Quase ninguém lhes ligara. Só a menina da recepção estava ali para os atender. Ele conhecia muito bem essa casa,oh se conhecia. Ainda há dias lá brilhara,mas não com notas.
Estão a ver a categoria deste professor? Que um professor como deve ser deve também sair de uma aula sua a saber mais. Pois era o que lhe acontecia sempre ,quando andava por lá a iluminar o mundo. Não era de esperar,de facto, outra coisa de uma tal sumidade.
Oh mas isso não é nada. O meu filho,ou o meu neto,tanto faz,não é ele que vai a casa do professor de música,mas sim este que vai lá à nossa casa. E não é um professor qualquer,não. É um dos melhores,talvez mesmo o melhor deles todos. Incomodar-se o meu filho,ou o meu neto,tanto faz,era o que faltava.
Olhe que não é bem asssim. Eu também lá estava,e sei o que digo. Foi até por meu intermédio que ele lá se deslocou. Eu é que sei o que ele disse,então não havia de saber? Mas os outros acabaram por não saber o que ele dissera,por esta via contestatária.
O meu filho aceitou o lugar,mas só quando satisfizeram todas as suas exigências. Era pegar ou largar. Com quem eles julgavam que estavam a lidar?
Têm a quem sair todos os meus filhos,mas sobretudo ao avô,que não chegou ao topo,mas bem o merecia. Era um génio. Agora,os filhos deles,os meus netos,não queiram saber. Está-me cá a parecer que o génio do bisavô passou a morar neles.

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