quarta-feira, 27 de agosto de 2008

FULVOS E BONITOS

"....Na sala de espera na terceira classe entre bagagens e cobertores de lã,dormem,aos montes,rabuzanos que vão trabalhar para o Alentejo,os varapaus de castanho atravessados,os tamancos ao lado,os pés descalços e um cheiro a lobo que se evola das suas saragoças montanhesas. Nostalgicamente,alguns tasquinham um pão de milho horrível,com sardinhas assadas entre as pedras.
E os mais novos,quinze anos,dezasseis,dezoito anos,todos alegres daquela primeira migração às sementeiras de lá baixo,esses não param,examinando tudo pelos cantos,espantados,deslumbrados,fulvos e bonitos como bezerrinhos de mama;e ei-los estacam diante dos relógios,dos aparelhos do telégrafo,a sala do restaurante cheia de flores,os chalés de hospedagem e os pequenos jardins dos empregados da estação... Dois ou três arranham nas bandurras fados chorosos,melodias locais duma tristeza penetrante,em cujos balanços,gemidos,estribilhos,se acorda o murmúrio dolente das azenhas,vozes da serra,risotas da romagem,balidos do polvilhal que entra no ovil,todas as indefinidas virgindades da Beira,núcleo de força,e ainda agora a mais impoluta ara da família portuguesa...."

De O PAÍS DAS UVAS
O FILHO
FIALHO DE ALMEIDA
CÍRCULO DE LEITORES
1981

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