https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXv48inxE_HevkVD38ZhgKYExshM8w8Xn-206pku4UbZlQyO2cOFnz4cofp6DlRWIIX1hPMPV1HUQLFErMvCTyQgK5OwjMtiuT8ryr9K7ziaMRcAU3pvLaHtnHCdEeoX0toqGMPIqXVoo/s1600-h/P1315158.JPG
Do blogue OLHARES DA NATUREZA,de ARMANDO GASPAR
Título do autor
domingo, 28 de fevereiro de 2010
BIOMBO
Estava inconsolável a pobre moça,quase chorava. É que o diabo da cabelereira não havia meio de acertar. Já viram como ficou? As companheiras não sabiam mais o que dizer. Tentaram animá-la vezes sem conta,mas de nada valeu. Já repararam nestas pontas? Teria,quando muito,vinte anos. A cara era miudinha,magra,pálida. Passaria fomes por causa da linha ou sabe-se lá mais de quê. O cabelo negro,abundante,quase a escondia. Parecia um biombo. Aquilo foi um mexer nervoso,interminável. Puxava para a frente,para os lados,para trás,e mirava o melhor que podia. E o que via exasperava-a. À sua volta,espalhara-se forte cheiro,uma mistura de laca,tinta,perfume,coisa escaldada. Partículas voavam. Uma cabecinha altamente poluidora. O tempo que lá passei para este desastre. O que me irá ele dizer? Desta vez,é capaz de me mandar passear. O que é que vocês me aconselham? Apetecia-lhe lá voltar,mas não tinha coragem. Podiam não gostar e isso é que não. Onde é que iria ,depois,se aquele era o único sítio em que esperavam pelo fim do mês? Muito sofre um pobre. Talvez ele nem viesse a reparar.
COMPETIÇÃO
Vozes de burro não chegam ao céu,diz o povo,mas chegam as de certos leiloeiros. E não queiram saber das dores que elas às vezes provocam nalguns dos que lá no céu estão. E andei eu, arrastadinho,a fazer aquelas maravilhas. Quando lá morei,quase ninguém me ligou. Daí, a minha triste vida. Ninguém me pôde ajudar,e olhem que um parecia estar em muito boas condições para o fazer. Mas diziam que aquilo não valia nada,que era tudo para deitar para o caixote do lixo. E agora,não estão a ouvir?,como eu estou,para mal dos meus pecados,que todos já foram perdoados aqui pelo Bom Deus,mas que a mim não me saem da cabeça. Nem eu quero acreditar,nem aqui o Bom Deus. Parece impossível. Aquilo é mesmo um grande exagero. Umas quantias daquelas. Que diabo,também não merecem assim tanto. Eu,sinceramente,contentava-me com muito menos,quando lá em baixo me encontrava.Vamos lá entender esta gente. Tenho andado cá a pensar que ali deve haver,pelo menos,outra coisa. Os tempos lá em baixo,agora, são outros,é certo,mas os procedimentos não têm mudado,segundo me conta aqui o Bom Deus. Aquilo quase não passa de uma outra forma de competição. É ver aquele que mais alto chega.
LIMPO NEGÓCIO
O mosto amuava, pois as uvas tinham açúcar para dar e vender. Quer dizer,as leveduras,com tanto álcool,deixavam de poder fazer o seu trabalho. E assim,vá de lançar nas lagaradas almudes e almudes de água. Que rico negócio esse,o de transformar água em vinho. Só que era limpo o negócio.
sábado, 27 de fevereiro de 2010
UM PEDINTE
Um gatinho preto,quase pele e osso, caminhava lentamente ao longo de rua estreita. Teria caído de uma janela,onde estava um outro, talvez seu irmão,espreitando. O animalzinho ia silencioso. Qual seria o seu destino? Ele lá saberia. A certa altura,depois de muito andar,entrou num restaurante. Eram horas de almoço e lá de dentro vinha um rico cheirinho a peixe. Quando ia pretes a chegar à cozinha,um empregado correu com ele. Não estavam interessados em tais fregueses. É que o gatinho lembrava um pedinte,um miserável,mal vestido e mal cheiroso. Depois,alguns clientes já tinham apresentado os seus protestos por semelhante companhia. E agora? Afastara-se muito de sua casa,onde,aliás,não teria recebido bom tratamento. Era um gatinho perdido. Quem o recolheria,assim tão desmazelado? Talvez aparecesse alguém que cuidasse bem dele,quem sabe?
TRAPO VELHO
O que havia de ter acontecido à mulher. De repente,sem aviso prévio,tem de se socorrer do primeiro WC que lhe apereça,não importa onde. Mas as pessoas habituam-se a tudo,até a maus tratos. O marido acabou também por se conformar. Uma manhã,calhou ser um daqueles que funcionam com a introdução de uma moeda. Era numa alameda,nas vizinhanças de um casino. Pena era que não dispusesse de uma janela panorâmica. Ela entrou e o marido ficou de sentinela. Um velhote,apoiado em grossa bengala,abeirou-se,curioso de saber pormenores sobre aquele novo mobilário urbano. Supunha que não custasse tanto dinheiro. Então,tem lá dentro alguèm? Sim,é a minha mulher. Coitada,de vez em quando,é isto,não pode esperar. Tem com que se entreter para o resto da vida. Mas podia ter sido pior. Eu que o diga,quase lacrimejou. Você tem sorte,pois ela está ainda viva. Agora eu,ando para aqui sozinho,que a minha já lá vai. Muita falta me faz,pois estou para aqui feito num trapo velho. E lá foi,caminhando com muita dificulade ao longo do passeio.
AS CONTAS
Para ele,a vida era como um jogo de ganhar ou perder. Feitas as contas,perdera em tudo,menos na vontade de jogar.
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
O CAVAQUINHO NO HAVAI
Originated in the 1880s as a Hawaiian version of a small guitar-like instrument brought to Hawaii by Portuguese immigrants, the cavaquinho, the ukulele ("uke") is the instrument most commonly associated with the Hawaiian Islands. The name translates to "jumping flea," although according to Queen Lili'uokalani, the last Hawaiian monarch, the name means “the gift that came here”, from the Hawaiian words uku (gift or reward) and lele (to come).
In http://against-the-day.pynchonwiki.com/wiki/index.php?title=The_Hawaiian_Islands,_Ukuleles_%26_Pynchon
In http://against-the-day.pynchonwiki.com/wiki/index.php?title=The_Hawaiian_Islands,_Ukuleles_%26_Pynchon
TER PACIÊNCIA
Desmaiara ou tropeçara,não importa,e o resultado fora a moça ficar estendida no passeio,sem dar acordo de si,como morta. Cobriram-na,que a manhã ia fria. A polícia veio,a ambulância não tardou e o hospital cumpriu a sua obrigação. Uma vértebra fendera. Teria de ficar uns tempos largos em repouso,um mês ou mais. Era bom de dizer. O pior era o resto. É que a moça era uma emigrante há pouco chegada. Conseguira emprego,mas o patrão não era um benemérito.Teria de ter paciência,que os muitos votos de rápida recuperação de nada lhe valiam. Teria de fazer como tantos,multidões,por esse vasto mundo,teria de se arranjar.
RECOVEIRO
A sorte daqueles gatos. Tomaram muitos,gatos e não só. A comida,uma comida especial,sempre pronta. Para as necessidades,areia perfumada. Um luxo. Até de médico eram servidos. Eles também tudo mereciam,pois não havia melhores companheiros.Veio-se disto a saber,à vista de alguns sacos indiscretos. Eram cinco os queridos. Um,da velhota,que estava para lá acamada há um ror de tempo. Era o seu entretém. O gatinho também a preferia. Só a abandonava quando tinha de ir à casa de banho. Um amigo fiel. Os outros estavam ao cuidado da filha. Era perdida por gatos. A vontade dela era ter mais,mas a casita não dava. Tinha de ter paciência. Mas aquilo era uma séria paixão. O velhote parecia coformado. Estaria,talvez,satisfeito por as ver entretidas. O serviço de recoveiro seria,também,um dos seus entreténs.
À CONTA
Era de ter muita pena do merceeiro,que ele merecia,coitado dele. Mas aquilo começara mal,e do mal não passava. E assim,para lhe dar alguma alegria,passava-le por lá para lhe comprar um quilo de arroz. Não se podia exagerar, que ele tinha as coisas como que à conta. Quer dizer,as prateleiras estavam quase vazias. Tinham lá as suas razões,os fornecedores,e,sobretudo,o mercieiro. É que ele não queria cair noutra. Se aquilo,mais uma vez,desse para o torto,não ficaria,como já acontecera,sem camisa.
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
SOBRE O METANO E O ÓXIDO NITROSO
Os gases de efeito de estufa podem ser removidos da atmosfera por vários processos. Entre eles,está a reacção com radicais livres. É o caso do metano.
http://wapedia.mobi/en/Greenhouse_gas?t=6
O óxido nitroso,um outro gás de efeito de estufa,está também sujeito à mesma reacção.
http://www.pnas.org/content/106/33/13639
http://wapedia.mobi/en/Greenhouse_gas?t=6
O óxido nitroso,um outro gás de efeito de estufa,está também sujeito à mesma reacção.
http://www.pnas.org/content/106/33/13639
UM BAILADO
Eram muitas as formiguinhas, em nervoso movimento,parecendo perturbadas. Mas por que haviam elas de fazer pela vida naquele empedrado,mesmo ali à vista de uma estrada de contínuo fluxo,dela apenas separada por estreita tira relvada? Isso seria lá com elas. O facto,é que lá andavam para a esquerda,para a direita,para a frente,para trás,para cima,para baixo,sem pararem. Lembrava aquilo um bailado. Mas que agilidade a delas. Separavam as pedrinhas uns estreitos canais. Mas à sua escala,seriam,antes, ravinas profundas e largas. Pois venciam-nas com muitas pernas às costas. Com gente,seriam braços e pernas partidas, certamente. Depois,dava ideia de que se arrependiam continuamente,voltando para onde tinham partido ainda há instantes,transpondo os mesmos desfiladeiros com igual ligeireza. Um prodígio,não havia dúvida. Estariam tontas? Tanto esforço,ou não,sabe-se lá,para nada,pelo menos assim parecia. Para recomeçarem tudo de novo.
OUSADIA
Ouvia-se-lhe a voz,mas não se conseguia vê-lo. Ainda se tentou encontrá-lo ,para uma justificação,mas escondia-se. Coisas de rapazes. Do ladrão,ladrão,é que ele não desistia. Tudo isto,porque se lhe invadira os domínios e houvera a ousadia de pôr num saco meia dúzia de quilos da sua terra,muito negra e muito encharcada. O milho,já alto,era capaz de se afogar. Aconteceu isto nas imediações de Póvoa do Lanhoso,há uns largos anos. Sabia-se que fora por ali que eclodira uma "confusa rebelião popular usualmente conhecida de revolução de Maria da Fonte". Dera-se ela em tempos muito recuados,mas aquele moço podia ser descendente de um revolucionário. Era capaz de ir tocar a rebate. O mais acertado era sair dali,para pôr a recato o precioso saco e sabe-se lá mais o quê. Noutros locais,já os tinham olhado com olhos desconfiados. Que andarão estes por aqui a fazer? Boa coisa não será. Se o moço tivesse visto o jipe,um tanto afastado,o que é que ele iria pensar? Querem ver que me vão levar a terra toda. Então é que iria mesmo pedir socorro.
A FOGO
Aquelas marcas não mais seriam olvidadas,referências de um trajecto que tantas vezes se fizera de forma lúdica. E era a vala que sangrava a lezíria,e era a casa da guarda, onde estavam assinalados níveis de cheias,e era o mar de vinhas,para onde quer que a vista se estendesse,e era o túnel de ramalhudas amoreiras,e eram os resguardos na ponte,abrigos em caso de intempestiva passagem de toiros,e era o mítico Tejo,e era a fonte de salobra água,que não se enjeitava,e era o carreiro,talvez do tempo dos mouros,que circundava o morro. Foram marcas como que gravadas a fogo.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
LISBOA
http://www.flickr.com/photos/fotografiap/4353364010/sizes/l/in/set-72157623428605562/
Título do autor
Parque das Nações
Título do autor
Parque das Nações
A SUA FORTUNA
Mirradinha,baixinha,o cabelo branco de neve. Na mão,trazia duas notas de cinco euros, muito dobradinhas. Queria um bolo rei,dos mais pequenos. Mas eram todos para uma casa de família. Era capaz de não chegar a sua fortuna. Toda ela respirava apreensão, tristeza. A empregada condoeu-se. Quem seria capaz de a não imitar? Colocou um bolo rei na balança,como numa rotina. E a velhota lá foi,muito consolada,levando o seu bolo rei.
O SEU BALÃO
Era aí uma dezena de meninos e de meninas,todos muito pequeninos. A vigilante trazia balões para distribuir. Cada um teria o seu,mas, para isso,tinha de o apanhar. É claro que todos queriam ser os primeiros a serem contemplados.Os balões foram lançados um a um. Pairavam uns momentos,depois desciam sem destino marcado. Iam calhando aos que estavam em melhor posição,aos que eram mais altos,aos que esticavam mais os bracitos.Está-se mesmo a ver a tristeza dos que iam ficando para o fim. A sorte, ou lá o que era,parecia não querer nada com eles,mas acabariam todos por ter o seu balão. Foi só esperarem pela sua vez. E a tristeza desapareceu.Não será assim que, no futuro, outros balões se comportarão. Nesses casos,muitos ou poucos,sabe-se lá,não haverá balões para eles,não chegará a sua vez,mesmo que se tenham enchido de toda a paciência do mundo. A tristeza,nesses casos,terá vindo para ficar. E a tristeza será,afinal,o seu balão.
ALGUM ALENTO
Era o costume. Quando o negócio não corria bem,tinha de se arranjar quem o amparasse. E assim,não era de admirar que se desembolsasse dez por uma coisa que valeria um. Ficava a consolação de se ter dado algum alento a quem desalentado andava.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
IMPONDERÁVEIS
Gaivotas em terra nem sempre será sinal de borrasca. O dia estava,de facto,primaveril,com promessas de assim se repetir. Já as tinham visto aventurarem-se muito por terra adentro,em ocasiões de tempestade próxima,mas agora encontravam-se ali,no vasto largo,em grande número,enchendo os ares com o seu falar estridente. O que as levara a deixarem a beira-rio? Estava bem à vista do que se tratava. Naquele sítio,abundam pombos e pardais,à cata de alguma coisa que se coma. Para além de migalhas várias,que o contínuo passar de gente sempre produz,há as esporádicas contribuições que uns tantos se comprazem em distribuir. E naquela tarde,até grandes pedaços de pão faziam parte das iguarias. Ao seu cheiro,e fartas,talvez,da dieta de peixe,tinham vindo fazer concorrência aos seus parentes afastados. O espectáculo divertia a plateia,mas tinha o seu quê de preverso. Então,não é que, abusando da sua maior estatura,se apropriavam dos melhores bocados? Levantavam imediatamente voo,insensíveis aos protestos da gentalha,indo saboreá-los lá para longe. Estava certo isto? Não estava. Pois era o que se via e se teria visto noutras alturas. Dos sacos,saíram por algum tempo continuados fornecimentos,sempre com o mesmo destino. Insaciáveis e contumazes. Má pedagogia esta. Era o espectáculo que interessava,decerto,mas dele desprendia-se uma lição que alguns aprenderiam,apsar de não figurar no programa. Imponderáveis.
A CULPA
A fruta chegava em bom estado,podiam crer. Mas depois,com o tratamento que alguns lhe davam,sobretudo,apalpando-a,ficava naquele triste estado. Quer dizer,como quase sempre,a culpa era dos outros.
A CORRER
Agradeço. É que está quase a chegar a hora da entrada para o seviço. O que tenho ainda de penar,pois faltam-me quatorze anos para a reforma. E lá foi a correr,que se fazia tarde.
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
ERA POBRE
Recordava-se bem,embora já se tivessem passado muitos,muitos anos,daquele menino da escola primária,filho de um pastor. Gostava mais dele do que de qualquer outro e gostava de o acompanhar até ao limite da vila,no regresso das aulas. Via-o ir pela estrada fora até se sumir lá longe.Havia de ir um dia com ele para ver a sua casa. Onde ficaria ela e como seria? As ovelhas ficariam perto e ele ouviria o seu balir,o som dos chocalhos e vê-las-ia partir,com o pai a conduzi-las? Perguntas que teria feito,mas com respostas que não o deixaram satisfeito. Depois de alguma insistência,que a ideia não seria do seu agrado,lá foram os dois numa tarde. Ficava num pequeno morro,quase sobranceira à estrada. Não era bem uma casa,tinha assim o aspecto de um moinho. Velas não se viam,nem armação. Era acanhada. Quase só existia uma divisão. E ali perto,construíra-se o cercado,onde as ovelhas recolhiam. Não tinham vindo ainda e não pôde assistir à sua chegada,pois se estava fazendo noite. Mas satisfizera o seu desejo ou capricho. Vira a casa de um pastor e vira que era pobre.
OLHOS NOS OLHOS
Um, precisava, e não pediu. O outro,podia dar, e não deu. Estavam,por assim dizer, como que ao mesmo nível,o que era bonito. E,descontraídos,ali trocaram meia dúzia de palavras,como se este fosse o melhor dos mundos. Duas novas experiências,que se ficaram por ali,que o mundo não há meio de se mudar,quer dizer,ser um mundo em que todos se olhem olhos nos olhos.
domingo, 21 de fevereiro de 2010
COMO OS OUTROS
Era uma rampa íngreme,quase a pique. O pobre do homem tinha de a trepar,pelo menos,duas vezes por dia. No topo,estava o seu ganha-pão,na base,a sua casita. Chegava derreado,ofegante. Uma dor de alma,vê-lo. Ainda um dia,ficaria ali,tombado no asfalto. Alguém tinha de intervir. Ele precisava de se reformar,para se ver livre daquele calvário. Uma comissão é ouvida pelo chefe. Iria tratar do caso. Os dias passaram e novas não vieram. A comissão insistiu. Compreendia muito bem o interesse,o empenho,a generosidade,a impaciência. Também já fora jovem. Mas haviam de aprender,com a experiência,que as coisas não eram assim tão fáceis de resolver. Levavam o seu tempo. Mas o caso não estava esquecido. Finalmente,veio a definitiva resposta. O homem tinha de esperar,como os outros.
ESPERANÇA COMUM
Os grandes empreendimentos não cessam. Lançam-se pontes,abrem-se túneis,estradas,vias férreas,criam-se ou renovam-se espaços culturais. Um nunca mais acabar. Folgam mais uns do que outros. Calamidades abatem-se por quase toda a parte. Perdem-se vidas e haveres. A solidariedade desperta,procurando reparar os danos. As comunidades agitam-se para escolha de novos representantes. Fazem-se promessas de vida melhor,vindas de todos os quadrantes. Publicam-se livros. Editam-se versos. Narram-se histórias e apontam-se caminhos,alguns bem diferentes. Muito poucos dão conta. Há outros interesses,outras necessidades. É água que parece perder-se. Haverá um ponto de encontro de tudo isto? Dois ou três dirão que sim. Onde? Talvez nas esperanças difusas dos homens e das mulheres que constroem,que reparam,que prometem,que escrevem,que folgam,que sofrem,que escolhem,que lêem ou não. Um dia,fundir-se-ão numa esperança comum. Como? Talvez por efeito de um homem ou de uma mulher que,quase por milagre,contamine tudo e todos.
sábado, 20 de fevereiro de 2010
GIL VICENTE NA UNIVERSIDADE DE PRINCETON,EUA
57 títulos,em que se inclue The boat plays,de 1997,com tradução de David Johnston,e publicado por Oberon Books,London.
UM CIGARRINHO
Ia haver festejo. Um,trazia uma garrafa de vinho tinto,ainda por encetar,e duas latas de cerveja vazias. O outro,com uma respeitável barba branca,estava na expectativa,como que sendo o festejado. Das latas,com golpes de navalha,o da garrafa fez dois copos. A rolha teve de tomar um banho. Quando a garrafa ia a meio,chegou a vez dum cigarrinho,que não era mais do que uma beata. Estava a vida difícil,pelo que se tinha de aproveitar o que outros já não queriam. É a vida.
A MISSIVA
Andara uma vida inteira a sonhar com o cadeirão. O que ele sofreu por ver o tempo passar e sem ver o sonho realizado. Mas não perdia a esperança. Havia de chegar a sua hora. E é que chegou,tarde para muitos,mas para ele não. Ali estava ele,finalmente,no cadeirão,no seu cadeirão. Sentia-se ali tão bem,que o não largou durante dias e noites. Passava os olhos,com vagares,pelas paredes,pelos móveis,pelos retratos dos antecessores. Fechava-os,de quando em vez,para dormitar um pouco,pois tinha de estender ao máximo aqueles momentos deliciosos de posse recente. Ao fim desses dias e dessas noites,sentiu-se inteiramente compensado por tanta espera, e decidiu pôr mãos à obra. E a primeira coisa que fez ,foi ir ver o cofre. Compreende-se muito bem esse passo,pois sem dinheiro não se pode ir muito longe. E apanhou um grande choque. O cofre estava quase vazio. E agora?,e esta? Querem ver que tenho de tirá-lo do meu bolso. Era o que faltava. Mas eu hei-de me desembaraçar. Cheguei até aqui depois de tantas barreiras saltar,não será esta que me há-de trair. Pegou da pena e escreveu a sua primeira missiva. Tinha planeado ser de outra maneira,uma maneira que pusesse na sombra as do passado,mas não podia ser. Mais tarde,resolvido esse magno problema de carestia,iriam ver o que era um plano. Naquela hora grave,tinham de compreender. Na missiva,na sua primeira missiva,pedia-se,simplesmente,miseravelmente,dinheiro,esse vil.
COMO NOVOS
Era a primeira vez que vinha ali? Ele riu-se,de gosto. Não senhor. Já lhes perdera o conto,tantas tinham sido. Vinha ele mais a patroa,pois as águas dali faziam muito bem aos dois. Iam de lá como novos. Estava à espera da mulher e era aquele banco o poiso costumado. Ali se ia entretendo,enquanto ela andava por lá nos tratamentos. Era coisa demorada. Acabara de ouvir as notícias pelo transistor que trazia sempre consigo. Era o seu fiel companheiro. Às vezes,não lhe apetecia,pois aquilo,a bem dizer,era quase sempre a mesma coisa. Do que gostava mais era das músicas,não de todas,claro,mas havia muito por onde escolher. Quando não lhe estava a agradar,mudava de posto. Entretanto,ia passando gente. Alguns saudaram-no respeitosamente. Seria pessoa de muita consideração.Tinha lá na terra um negociozito,que lhes dava para virem até ali. Era um negociozito de copos do bom vinho lá da região,que se dava muito mal com águas,ao contrário deles,que iam dali como novos.
O SAPATEIRO
Não suba o sapateiro acima da chinela. E porque não? Quem quererá que uma tal subida não aconteça,e porquê? Conhecerá ele o sapateiro,quando o sapateiro não se conhece a si mesmo,não sabendo do que é capaz? Ou, simplesmente,sentindo-se incapaz de subir,ficaria doente vendo o sapateiro fazê-lo.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
RELEVO
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2jDTJYwpUQrOs6cXdp_9xXT2AadnQQCs2vcEd9pXCxq2jbpx08FHmAPmLdFHRHbFPwb2XkTpyzuUMAj1g8hsKihzjzXyZjiW50U8kgAQsb6lgVwUmwSEX-YDPKPd5C1GW38wqg4GDZy0/s1600-h/P1315160.JPG
Do blogue OLHARES DA NATUREZA,de ARMANDO GASPAR
Título do autor
Lembra,também, um rio,com alguns dos seus afluentes
Do blogue OLHARES DA NATUREZA,de ARMANDO GASPAR
Título do autor
Lembra,também, um rio,com alguns dos seus afluentes
LISBOA
http://www.flickr.com/photos/fotografiap/4366592332/sizes/l/in/photostream/
Título do autor
Eclipse inédito
Título do autor
Eclipse inédito
DO MESMO MAL
Estavam os dois velhos e reformados. Quando novos,tinham trilhado,pode dizer-se,os mesmos caminhos,mas quando se cruzavam,era sempre de fugida e com cara de poucos amigos. Não era coisa de admirar,pois se sabe muito bem que isto de oficiais do mesmo ofício tem muito que se lhe diga. Entretanto,o tempo voara, e passaram a ser vizinhos,ficando quase a poderem ver-se das varandas. Parecia estar criada uma situação favorável a cruzamentos frequentes,com demoras,mostrando caras prazenteiras. Mas tal não tem acontecido,vá-se lá saber porquê. Talvez por um abundar em teres e o outro pouco ou nada possuir,embora sem disposição para assaltos. Talvez por um ter arranjado patrão de cinco estrelas e o do outro andar sempre encalacrado. Talvez por um se bastar com o deleite de posse exclusiva e o outro se entreter com bens de todos. Talvez por terem da solidariedade entendimentos diferentes. Talvez por um ser baixo e o outro alto. Talvez por ambos padecerem do mesmo mal.
APAGÃO
Calhou,em certa terra,o João e o José comerem à mesma mesa durante duas semanas. A terra não era a deles,estavam ali só de passagem. Nunca se tinham encontrado,pelo que não é de admirar que tivessem falado de muitas coisas. Falaram, até, de um António,que ambos conheciam muito bem,por terem com ele intimamente privado. Coincidências. E aconteceu,um dia,o João cruzar-se,naquela terra, casualmente, com o António. Como o António devia favores a João,quis presenteá-lo com um almoço em restaurante de luxo. No próximo jantar,o João não se conteve. Afinal,José,o António não o conhece de parte alguma.O que teria o José feito ao António para este o riscar do mapa? Grossa coisa deve ter sido,para ocorrer tal apagão.
DONDE VIERA
Casara tarde e não tivera filhos. E no final da vida, mostrara um sério interesse em assuntos de hereditariedade,muito em especial no seu lado químico,particularmente,nas bases orgânicas. Seria o donde viera a sua grande preocupação.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
CALDO VERDE NO HAVAI
The Portuguese signature soup caldo verde, a green soup made with kale and potatoes, somehow morphed into the beloved Portuguese bean soup, made most often with cabbage, red beans and linguisa or ham hocks.
In http://the.honoluluadvertiser.com/2001/Jan/03/islandfood.html
In http://the.honoluluadvertiser.com/2001/Jan/03/islandfood.html
EM CACOS
Teria sonhado fazer muitas e grandes coisas,coisas originais ,coisas de espantar. E isso, desde muito novo,pois já nessa altura o dera claramente a entender. Vontade e mais qualidades não lhe faltavam,é certo,mas estavam ausentes umas essenciais. Mas ele teimou. Lia muito e com as ideias de outros lá foi singrando. Pode dizer-se que foi quase tudo. A obra que ele sonhara tardava,porém,em mostrar-se. E tal entristecia-o muito,tanto mais que dava conta de outras a erguerem-se,alguma mesmo ali ao pé da sua porta.Então,foi medrando nele um forte desejo de destruição,de cariz demoníaco,que acabou por explodir. Zurzia a torto e a direito,sem olhar a quem,não poupando os mortos. Ficava tudo em cacos ou em pó. Temia-se enfrentá-lo. E a razão era simples. É que o riso de escárnio,que ele desde muito novo exibia,refinara com a idade. Era um riso estranho,um riso único. De assustar. E todos ficavam tolhidos,siderados,de medo.
ENCRENCAS
Aonde tinham trazido o moço,a ver celas. Num dia daqueles,de não se ficar em casa,num rico dia de praia. E ele com tantas ali ao pé. Era mesmo coisa de velhos,que já não sabiam para onde ir. Queriam que ele pusesse os olhos aqui e ali,para ter uma ideia do que aquela gente tinha passado. Ele fez-lhes a vontade,olhou,olhou,mas não viu nada que o espantasse,antes pelo contrário. Afinal,não estavam muito mal instalados. Não eram quartos de um hotel de cinco estrelas,mas também não podiam exigir tanto. Depois,porque é que se tinham ido meter em encrencas? Aquilo já estava a chatear. Vamo-nos mas é embora,que não quero a tarde toda estragada. Tenho lá a garota à espera. Para quê vir a sítios como aquele? Que ganhava ele com isso? Estás a ouvir?,parecia ouvir-se por ali. Quem nos mandou metermo-nos em sarilhos? Sim,quem nos mandou? Não teria sido melhor andar com garotas que estivessem lá à nossa espera? Fomos mesmo muito parvos.
PAZ
Compaixão e resignação,duas vias da Paz. Pela compaixão,deixaria de haver vítimas. Pela resignação,anular-se-iam actos conflituosos.
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
SACOS DE SULFATO
"O Antero estava muito alto,o Oliveira Martins distante e o Eça era irónico. Junqueiro viveu connosco. Todos assistimos à sua vida,em todas as fases;conhecemos-lhe todas as suas aspirações. Soubemos quando quis ser santo e assistimos às suas partidas para Barca de Alva,com sacos de sulfato. Distribuiu por todos nós uma parte do seu prodigioso sonho. Nunca se isolou. Podia-nos ter desdenhado. Nenhum de nós estava à altura do seu génio,nem mesmo da sua bondade. Nunca o fez. Ao contrário,teve para todos,até para os mais humildes,uma boa palavra,um conselho,um prefácio,duas frases amigas. Todos fomos seus camaradas. Teve talvez actos vulgares e actos institivos - mas quem os não tem? Quem está livre de erros e de paixões?...Quanto mais os homens duma vitalidade extraodinária como a sua! "Houve tempo - diz Ricardo Jorge - em que Camilo e Junqueiro se juntavam no Porto e então as discussões eram tremendas. Às vezes iam-me bater à porta às três horas da manhã. Felizmente que aquilo durava duas,três semanas,e o Camilo partia para Seide,porque senão eu morria extenuado.""
RAUL BRANDÃO
Memórias (Tomo II)Obras Completas Vol.I p.195
Edição de José Carlos Seabra Pereira
Relógio D'Água Editores
1999
RAUL BRANDÃO
Memórias (Tomo II)Obras Completas Vol.I p.195
Edição de José Carlos Seabra Pereira
Relógio D'Água Editores
1999
NA SOLEIRA
Volta não volta,dava consigo a querer dispor de uns dias para percorrer, com minúcia, os lugares vizinhos da terra onde nascera e vivera os anos da juventude,mas que mal conhecera ou apenas sabia o nome. E fora assim porquê? Pela comezinha razão da falta de meios. Outros valores mais prementes se impuseram,como o de sobreviver. E porque a vida se endireitara,passara a poder fazê-lo. E assim,havia de os visitar a todos,sem uma excepção,com detença. Tal como numa espécie de posse. Para os saborear,para os mastigar. E vê-los-ia com outros olhos,não como os dum carenciado,que só pensa no pão que o sacie. Afinal,imitando tantos que abandonaram os seus lugares de origem,a fazer pela vida,e que ,um dia ,a eles regressam para mostrar,sobretudo,que já não mendigavam. Não faria,porém,bem assim. Viria como anónimo. Não diria que era dali perto. Diria que se enamorara daqueles sitios quando por lá passara em tempos. Apetecera-lhe,simplesmente,revê-los. Mas seria capaz? Pensando melhor,não iria. Ficava satisfeito só em saber que poderia fazê-lo,uma e mais vezes. As que quisesse. Ficaria, apenas,na soleira,sabendo que podia entrar.
RESPEITADOR
Coitada dela,confiara. E ficou com um filho nos braços. O fulano abalara e não mais dera notícias. O menino fizera-se um rapazinho muito precoce e muito atrevido. Ela por ali se arrastava,ajudando os pais no governo da pensão. De natureza convivente,sentava-se em qualquer mesa para uns momentos de conversa. Mostrava,porém,naquela altura,uma certa predilecção por dois jovens,talvez devido à cortesia e seriedade com que a tratavam. O infeliz passo já la ia há muito,mas a mancha persistia aos olhos da gente da terra. E o que é que havia de acontecer? Um dos jovens ficara retido no quarto,afastado da pensão,por motivo de saúde,incapaz,portanto,de ir pelas sopas. E ela fez questão de as levar. Quase caiu o Carmo e a Trindade. A dona da casa tentou barrar-lhe a entrada,pois não admitia poucas vergonhas. Acabou por ceder,mas com acondição de a porta do quarto ficar escancarada. O comportamento dos jovens trazia os restantes comensais muito intrigados,vindo a catalogá-los. E um dia,convenceram o miúdo a um atrevimento dos seus. Irrompendo na sala,dirige-se aos moços,sentados numa mesa à parte,mimoseando-os,repetidamente,com uma expressão muito em voga . Peixinhos do mar,peixinhos do mar. A que se pode estar sujeito,quando se procura ser respeitador.
UM CÃOZINHO
Passaram dois,trazendo duas crianças. Vieram,depois,outros dois,rebocando um cãozinho. Os dois eram ele e ela.
terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
ALVES & C.ª
Nessa manhã,Godofredo da Conceição Alves,encalmado,soprando por ter vindo do Terreiro do Paço a correr,abria o batente do baetão verde do seu escritório,na rua dos Douradores,quando o relógio da parede,por cima da carteira do guarda-livros,batia duas horas,naquele tom cavo a que os tectos baixos davam uma sonoridade dolente e triste....
De ALVES & C.ª
O MANDARIM
ALVES & C.ª
O CONDE DE ABRANHOS
EÇA DE QUEIROZ
Círculo de Leitores
1985
De ALVES & C.ª
O MANDARIM
ALVES & C.ª
O CONDE DE ABRANHOS
EÇA DE QUEIROZ
Círculo de Leitores
1985
UM VISTAÇO
A ignorância era muita. Nem uma letra,nem um número. Ele,então,aproveitou. Aprendera a ler,a escrever e a contar,não por aí além,é certo,mas o suficiente para lhe facilitar o negócio. É que,como muito bem se sabe,na terra de cegos quem tem um olho é rei. Ele não produzia,que isso dava cabo das costas,mas sabia bem vender,a sua especialidade por excelência. Para produzir,havia muitos que o fizessem,pois não sabiam de outra coisa. Mas,coitados,produziam pequenas quantidades,visto os quintais não darem para mais,embora isso já fosse para eles uma sorte. Só em grande,porém,é que valia. E aqui,entrava ele. Reunia todas essas ninharias e fazia um vistaço de abastado proprietário. Não havia quem mostrasse tanto em muitos quilómetros em redor. Na altura do acerto,a manha era sempre a mesma. Esqueceste-te,homem. Não vês o que aqui está escrito? Entregaste apenas um. Tinha ele recebido dois.
AVISOS
A senhora vinha de carro. E vinha determinada. Trazia um cãozito,de lacinho,e trazia sacos cheios de pão. Umas dezenas de pombos já estavam com água nos bicos. Tratava bem deles. Os sacos eram esvaziados até à última migalha. E o pão era servido em pedacinhos,para eles não terem trabalho. Só por um muito sério motivo é que falharia uma manhã. Podia lá deixar de os alimentar,coitadinhos. Demorava-se ali uns contados minutos,porque o seu amigo fiel estava sempre com pressa. E ela também,para manter a linha. De resto,não o podia perder de vista.O carro lá ficava,junto ao passeio costumado. Era um carro antigo,de boa marca,a abarrotar de avisos. Cuidado motorista,pois perto de um cão há quase sempre um poste. O RR é o melhor,tirando,claro,o seu Benfica,e,também,Portugal,ali representados,respectivamente,por um agasalho de peito,com as dimensões de uma manta,e de uma bandeira,que parecia um lençol de cama de casal.O cãozinho tratava da sua vida,farejando aqui e ali,num frenesim. E ela,oh ela,tinha muito com que se entreter. É que por ali abundavam contentores. Pois não havia um que ela não visitasse. Mas eram visitas a correr,que o querido não podia esperar.
MISTÉRIOS INSONDÁVEIS
Eram dois candieiros altos,dois candieiros de largas vistas. Não admirava,pois,que pombos neles pousassem. O largo em que os tinham posto era amplo e nele reinava o sossego. Porque seria ser um deles o mais procurado? Mistérios insondáveis da natureza,ou talvez não.
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
VOAR AZUL
http://photos1.blogger.com/blogger/609/1252/1600/P1010917_a1.jpg
Do blogue OLHARES DA NATUREZA,de ARMANDO GASPAR
Título do autor
É de ficar azul,sem saber com que azul ficar.
Do blogue OLHARES DA NATUREZA,de ARMANDO GASPAR
Título do autor
É de ficar azul,sem saber com que azul ficar.
SEDUÇÃO
http://www.flickr.com/photos/fotografiap/4354433550/sizes/l/
Título do autor
Uma quase esfera,com a cabeça de fora.
Título do autor
Uma quase esfera,com a cabeça de fora.
TANTO MILHÃO
"Existem 100 mil milhões de neurónios no cérebro humano adulto. Cada neurónio estabelece entre mil e dez mil contactos com outros neurónios. O número de permutas e de combinações da actividade cerebral excede o número de partículas elementares do universo."
Tanto milhão.
De
http://www.ted.com/talks/lang/por_br/vs_ramachandran_the_neurons_that_shaped_civilization.html
Tanto milhão.
De
http://www.ted.com/talks/lang/por_br/vs_ramachandran_the_neurons_that_shaped_civilization.html
A SEUS PÉS
Era uma tarde de consultório médico. A sala de espera estivera cheia e esvasiava lentamente. A paciência dos doentes e dos acompanhantes tinha de ser alimentada. Além de revistas,algumas velhas de séculos,que o tempo voa,havia a todo-poderosa televisão. A televisão estava lá no alto,como é de sua condição. Chegara a ocasião de notícias. E logo uma menina,aí de uns vinte anos,largou a mãe,muito doente,para se vir pôr a seus pés. E assim esteve,olhando para cima,como para o céu,quase em adoração,tempos sem fim. Para equilibrar o esforço nesta posição,baixava de vez em quando a cabeça para enviar uma mensagem pelo telemóvel. As notícias lá acabaram,entrando-se num outro capìtulo,sem interesse para a menina. Estava um tema em discussão,futebol,tinha de ser,e trouxera-se um especialista na matéria. De tal maneira o é,que uma senhora,aí de uns cinquenta anos,não resistiu e largou o marido,muito doente também,pondo-se a adorá-lo. Algum tempo passado,veio mais uma fornada de notícias,por sinal não muito diferentes,mas a menina já lá não estava.
MUNDO DE FANTASIA
Imaginem um cubículo,um buraco de chão térreo,onde mal cabia a cama. E que cama. Compunham-na um colchão de palha,umas tábuas e dois caixotes de sabão. Para completar a mobília, havia mais dois caixotes irmãos,um, a servir de mesa-de-cabeceira e o outro,de sofá. A maioria dos presos,naquela época,não estaria pior,descontando,claro,a liberdade. Pois era ali onde ele dormia e,sobretudo,onde ele queimava as pestanas. Era também a sua biblioteca. Imaginem uma pilha de revistas de cinema a tocar o tecto,ou,mais exactamente,o telhado. Terminado o serviço,embrenhava-se nelas. Na vila,não havia luz elétrica. Mas se houvesse,não é de crer que a patroa lhe pusesse lá uma lâmpada. E também estava fora de questão um candieiro a petróleo. Assim,ele tinha de recorrer a velas,pagas do seu bolso,que a patroa não sustentava vícios. O que ele sabia das estrelas,das suas vidas,das suas paixões. Era neste mundo de fantasia que ele se sentia bem. Bem precisava dele. Porque,tirando este,o que é que o esperava? Na pensão,era ele pau para toda a obra. Lá estava às horas das refeições,chamando para a mesa. Sim,que ali havia ordem. Depois,tinha de servir. Mas antes disso,já se levantara cedo para ir à água e para fazer limpezas. Estas prolongavam-se pelo resto do dia e estendiam-se pela noite.Se não fossem aquelas revistas,não se sabe o que seria dele? Eram elas que lhe alimentavam os sonhos,que ele achava lindos. Eram elas que lhe davam razões para viver.
ALI TÃO PERTO
A nascente estava bem,como sempre,mesmo em tempos de estiagem. Era água que ia bem depressa ter com o mar,ali tão perto. Era água que regressava a casa.
domingo, 14 de fevereiro de 2010
O TENTADOR
A Maria era moça e ajudava a patroa lá na pensão da vila. Era ela que servia às mesas. Um dia,apareceu por lá o tentador. Estás-te aqui a perder,rapariga. Que futuro vai ser o teu,aqui neste buraco? O que estás ganhando não dá para mandar cantar um cego. A minha mulher está precisando de alguém como tu. Passavas a ganhar três vezes mais,e,assim,arranjavas bem depressa para o enxoval. E olhava para ela de uma maneira que não enganava. Enquanto ali permaneceu,não se cansou de pôr a Maria a escutar o mesmo disco. A Maria,simplória,dizia que ia pensar. Quando lá voltasse,queria vê-la decidida. Não vás Maria,aconselhavam alguns. Aqui todos te respeitam. Lá para onde ele te quer levar há muitas ratoeiras. E depois,ganhavas mais,mas tambén o gastarias. A Maria hesitava,mas via-se que ficara perturbada. O tentador voltou e levou a Maria.
SABEDORIA
Pousios,terra a descansar. Lavras,terra preparada para as sementeiras,em espigoado,fofa. Andavam por ali já há um bocado. Ia alta a manhã. Observações,registos,suor do senhor Joaquim. Este,também observando,registando,à sua maneira.De repente,estaca e pergunta. O que é que está aqui? O outro,apsar de abrir mais os olhos,só vê o que tinha visto. Terra,apenas terra.Pois temos andado por cima de uma ninhada de coelhos. Baixou-se,e com as mãos muito leves,ele,que as tinha pesadas,foi tirando,com muita cautela,pequenas porções de terra. E a poucos centímetros,começou a aparecer uma penugem arrancada da mãe,e no meio dela uns serezinhos róseos,muito quietinhos,como que a dormir. Foi um deslumbramento para o outro,uma grande novidade.Que sabedoria, a do senhor Joaquim. Este voltou a pôr tudo no seu lugar,tal como estava antes,não fosse a mãe desconfiar e ter o trabalho de transferir a prole para sítio mais seguro.
UMA NOVIDADE
Era o que tu querias,mas daqui não levas nada. Não,o que estiveste para aí a dizer,não é bem assim,estás muito enganado. E aqui,no enganado,põem toda a sua desclassificação,para não carregar mais na negra tinta. Não dizem que estiveram lá,nem isso era preciso. Bastava aquele redondo,acentuado não. Não querias mais nada,vires-me dar uma novidade.
NA ORDEM
Sentem-se sempre como se estivessem em casa sua,ou em terreno seu. E se alguém se atrever a disso duvidar,têm artes para o pôr na ordem. Sabe,porventura,com quem está a falar?
sábado, 13 de fevereiro de 2010
VANCOUVER
http://www.flickr.com/photos/irschick/3200169549/sizes/l/
http://www.flickr.com/photos/januszbc/3756683953/sizes/l/
http://www.flickr.com/photos/januszbc/3397423795/sizes/l/
http://www.flickr.com/photos/duanestorey/438891565/sizes/l/
http://www.flickr.com/photos/stephen_rees/803487523/sizes/o/
http://www.flickr.com/photos/astroguy/513693512/sizes/o/
http://www.flickr.com/photos/januszbc/3756683953/sizes/l/
http://www.flickr.com/photos/januszbc/3397423795/sizes/l/
http://www.flickr.com/photos/duanestorey/438891565/sizes/l/
http://www.flickr.com/photos/stephen_rees/803487523/sizes/o/
http://www.flickr.com/photos/astroguy/513693512/sizes/o/
NEPAL
http://www.flickr.com/photos/glouk/4178754208/sizes/l/
http://www.flickr.com/photos/bit-ramone/4058325697/sizes/o/
http://www.flickr.com/photos/bit-ramone/4166495464/sizes/o/
http://www.flickr.com/photos/romeral/2097791448/sizes/l/
http://www.flickr.com/photos/rakustow/4234429461/sizes/o/
http://www.flickr.com/photos/rakustow/4117988952/sizes/o/
http://www.flickr.com/photos/bit-ramone/4058325697/sizes/o/
http://www.flickr.com/photos/bit-ramone/4166495464/sizes/o/
http://www.flickr.com/photos/romeral/2097791448/sizes/l/
http://www.flickr.com/photos/rakustow/4234429461/sizes/o/
http://www.flickr.com/photos/rakustow/4117988952/sizes/o/
SENHOR JOSÉ
O fim do verão estava à vista e ainda não chovera. A terra apertara,pusera-se como rocha. Era preciso picareta. Além dessa,havia também a enxada. Dois pesos. Via-se que o senhor José não estava a ser homem para aquilo. Mas ele quisera experimentar. Ainda não era um velho,pois pouco passava dos cinquenta. Mas a vida do campo é dura. Tinham pena dele. Procuravam chão menos rijo,aliviavam-no de uma ferramenta,só não o substituíam no que lhe era mais penoso. Foi o senhor José a dar parte de fraco. Ia ver se arranjava uma tarefa que lhe moesse menos o peito e as costas. Tinha muita pena,pois ganhava ali mais uns patacos. Também percebia que estava a prejudicar. Pareciam justificadas,pelo menos para alguns,as crónicas crises de trabalho. Seriam pausas destinadas a retemperar.
SENHOR JOÃO
Tinha sido uma meia promoção. Começaram por lhe dar uma enxada. Depois,porque tirara a carta de condução,passaram-lhe para as mãos também um volante. Compreende-se,assim,que se sentisse defraudado. Mas não haviam de levar a melhor. E montou uma estratégia. Não precisava de cavar mais,estava-se mesmo a ver o que era. Umas vezes ,convencia,outras,tinha de suar mais um bocado. Mas não era homem de rancores,o senhor João. Um homem de paz. E o que ele sabia de motores e companhia? E o que ele sabia de culinária? Tudo à sua custa. Andou nisto uns tempos. E um dia,apeteceu-lhe mudar. Olha quem vai ali. Era o senhor João,na Praça do Giraldo,sobraçando duas melancias gigantes. Pousou-as ,para os abraços. Aquilo é que foram tempos. Nunca mais tivera outros assim. Que saudades.
SEM DÓ, NEM PIEDADE
Eram os agricultores,os criadores de gado e os pescadores que os alimentavam. Eram os médicos que os curavam. Estariam,pois,em dívida com todos eles. Ora,isso não suportavam,pelo que,volta
não volta,malhavam neles,sem dó,nem piedade,culpando-os de estragar o ambiente,e de os deixar morrer.
não volta,malhavam neles,sem dó,nem piedade,culpando-os de estragar o ambiente,e de os deixar morrer.
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
COISAS DE LOUVAR
Daquela casa não saía coisa que prestasse. Era o que ele,durante anos e anos,fizera constar,aqui e ali,sempre que a oportunidade surgia ou mesmo sem ela. Tudo aquilo nada valia,só tendo um único destino,o caixote do lixo. Quer dizer,se ele,um dia,fosse escolhido para a orientar,havia de lhe dar uma grande volta,de maneira a pô-la a fazer coisas de jeito,a render cem por um. E esse dia chegou. Não interessa saber que novo e frutuoso rumo ele lhe deu. O que interessa saber é que, escasso tempo volvido,alguém se lembrou dele para fazer a história daquela casa velhinha,tornada sua,história essa que viria à estampa em livro notável. O mundo ficou suspenso. O que é que ele iria contar? Certamente a verdade,que ele ,incansavelmente,andara desnudando. Pois não aconteceu assim. É que havia outra verdade e essa foi a que ele,no tal notável livro,revelou. Aquela casa só tinha feito coisas boas,coisas de louvar,e o país devia estar-lhe eternamente agradecido.
ESPERANÇOSO TRABALHADOR
Em tempos que já lá vão há muito,havia um trabalhador que não podia estar parado. E deu-lhe para estar quase sempre a bater na mesma tecla,tecla que ele via,alás,a ser premida por muito boa gente,não perto de si,mas em diversos cantos deste vasto mundo. De tanto bater,acabou por saltar alguma coisa. A certa altura,houve alguém que resolveu apreciar o que tinha saltado. E tirou uma conclusão. Aquilo não valia nada,era tudo para deitar no caixote do lixo. O trabalhador era teimoso,pelo que não desistiu de bater na malfadada tecla. Andou nisso mais uns tempos. Mas um dia,já cansado,baixou os braços. Para despedida,deu conta,publicamente,das últimas batidelas. A ouvi-lo, estava também o tal alguém que não dera nada por ele. E quando chegou a vez dos cumprimentos,o antigo enjeitado não queria acreditar. Era uma pena ir perder-se um tão esperançoso trabalhador.
DUAS FLORES BRANCAS
11 de Fevereiro de 201o,dia em que a amendoeira solitária acordou do seu profundo sono. Duas flores brancas,uma, no topo,a outra,numa franja,assim o anunciaram.
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
MALDADES
Sem bactérias fixadoras de azoto atmosférico e sem leguminosas com quem essas bactérias fazem simbiose,a vida seria mais complicada. Dessa fixação,acaba,como se sabe,por resultar nitratos.
Em condições de anaerobiose,muito generalizadas,de nitratos,como é sabido,gera-se óxido nitroso. Porque este óxido pode fazer maldades, parece haver quem tenha pensado em reduzir a presença de leguminosas. Ficando por aqui,sabendo-se que essas maldades outros as fazem,já é ter pouca consideração por tão prestimosas plantas.
Em condições de anaerobiose,muito generalizadas,de nitratos,como é sabido,gera-se óxido nitroso. Porque este óxido pode fazer maldades, parece haver quem tenha pensado em reduzir a presença de leguminosas. Ficando por aqui,sabendo-se que essas maldades outros as fazem,já é ter pouca consideração por tão prestimosas plantas.
O FOGO AS LEVARA
Seria um exagero,mas alguém diria que aquilo não passava de um manto de rocha. Ela dominava,é certo,mas nos exíguos intervalos lá estava alguma terra onde oliveiras medravam. E era isso que lhe importava. Fora ali que ele nascera e foram essas oliveiras que lhe permitiram arranjar uma enxada. Por isso lhes queria muito. Haveria de as acrescentar ,em sua homenagem. E foi o que fez ,toda uma longa e esforçada vida. Olhava para elas enternecido,esquecido de tudo. Delas e para elas vivera. Mas o destino é bastas vezes cruel. E um dia,a tragédia deu-se. O fogo,um fogo maldito,passou por lá,não se apiedando,e só deixou cinzas. Não queria acreditar. As suas amadas oliveiras já lá não estavam,que ele bem via. O maldito fogo as levara.Tudo perdido,o que herdara e o que adquirira com tanta teimosia. Estava velho,incapaz de recomeçar. Era tempo,pois,de também abalar,fazendo companhia às suas almas. E foi o que aconteceu,quase na volta do correio,não fossem elas mais uma vez morrer,agora de saudades de quem tanto as amara em vida.
CARPAS
Viera lá da sua terra distante há quatro anos. Ainda jovem,arranjara emprego, com aparência de estável,casara e comprara carro. A sorte parecia estar com ele. Ali à beira de convidativa barragem,era de esperar que levasse para casa meia dúzia de carpas.
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
OVOS SEM CASCA
O que o senhor Joaquim ganhava não lhe dava para o que ele queria gastar. Assim,logo que se reformou,montou negócio. Pôs a mulher,Dona Carminda,a cozinhar para meia dúzia de estudantes esfomeados. Ele encarregava-se das compras e servia à mesa. A mulher não lhe dera filhos,pelo que os substituíra por um cão,um cágado,um papagaio e algumas galinhas. O cão,um Serra da Estrela de respeito,só respeitava os donos. Os outros,eram todos inimigos. Foi uma sorte os estudantes escaparem. Não parava de rosnar. O cágado,coitado,mal sentia gente estranha,escondia-se debaixo dos móveis. Teria receio de ser molestado,o que, às vezes, acontecia. O papagaio tinha poiso na cozinha,mesmo junto à chaminé,ao lado do saco das borras. Era capaz,uma vez por outra,de condimentar os petiscos. Falava com a Dona Carminda. As galinhas ficavam na cave da chaminé. Mal se podiam mexer. Punham ovos sem casca. Havia,ainda,umas penduras,as melgas,de raça gigante. Deixavam marcas bem visíveis nos que lá viviam e lá passavam. Teriam alguma responsabilidade na tez rosada de Dona Carminda.
OS ESPERTOS
Era uma vez um rei que tratava todos os súbditos da mesma maneira,quer dizer,apanhavam todos pela medida grande. Não podiam,assim,rirem-se uns dos outros.Certo dia,dois deles fizeram-lhe chegar uma pretensão. Estavam interessados em ir a um país vizinho colher ensinamentos para melhorar os seus trabalhos. Para isso,precisavam da sua autorização e de dinheiro. Nem pensar nisso. Não queriam mais nada. Passeatas à minha custa,nunca. Olha os espertos. Isso foi o que constou. O certo,o certo,é que os pretendentes foram informados de que os cofres estavam vazios. Aconteceu que o rei,numa das suas deslocações,esbarrou com um deles. E resolveu consolá-lo. Sabe,você ainda lucraria,agora,o outro,era dinheiro deitado à rua. Parecia o rei querer distinguir. Mas não. É que,na mesma deslocação,esbarrou com o outro,que recebeu o mesmo consolo.
CLARAMENTE
Era irreprimível,avassalador. Fugia-lhes a boca para a verdade. Sem poderem resistir,diziam,
claramente,o que lhes ia lá por dentro. E parecia nem darem por isso.
claramente,o que lhes ia lá por dentro. E parecia nem darem por isso.
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
NÃO PODEMOS CONTINUAR ASSIM
O marido fora despedido. Do que se podia ouvir,era uma situação que se vinha arrastando demasiadamente. E ela já não a suportaria. Nós não podemos continuar assim. E foi assim,que ela,aparentando andar à volta dos trinta anos,lhe estava lembrando,pelo telemóvel. Já lhe teria dito isto noutras ocasiões,a sós,na intimidade,mas naquela tivera larga assistência.Vários companheiros de viagem tiveram oportunidade de a ouvir,que o tom era alto. O desespero em que ela estaria. Foi capaz até de nem ter dado conta,coitada dela, do espectáculo que proporcionara.Vê lá,fala com o senhor mais uma vez,tem paciência. Enche-te de coragem,diz-lhe que és meu marido,ele conhece-me,pode ser que reconsidere. Mas tens de insistir. Olha que nós não podemos continuar assim. E repetia,repetia. Metia dó. Depreendia-se que ele não se estaria esforçando. Estaria a contar com ela. Contaria que ela tivesse paciência.
MESA DOS VIPS
Tudo tem um limite. O chefe,volta não volta,mimoseava-o com uma negativa,sempre coisas muito desagradáveis. Parecia ter gosto nisso. Estava a ser demais. Era quase um massacre. Que diabo,o pobre do subordinado não era assim tão incapaz. Ele estava,pois,a precisar de as ouvir. O pobre não sabia como proceder,o que dizer-lhe,e ia adiando. Mas um dia,tinha de ser.E esse dia chegara. Entrou no vasto refeitório e viu o chefe sozinho na sua mesa,a mesa dos VIPS. Foi ter com ele,sem saber bem o que dizer. Aquilo foi uma coisa espontânea,como caída do céu. O senhor ainda me há-de anunciar o dia da minha morte. E por ali se ficou. Também não era necessário mais. Estava tudo dito. O chefe abriu muitos os olhos,de espantado,e sentou-se. Tinha-se levantado para o ouvir,como mandam as boas regras. Não abriu bico. E o subordinado foi sentar-se na sua mesa,como se nada de extraodinário tivesse acontecido.
MUITO MELHOR
Coitada dela,pensava em voz alta. À vista de qualquer bugiganga que ainda não figurava lá no recheio da sua casa,não se continha,ouvindo-se-lhe um hei-de ter um também,mas muito melhor.
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
PASSADO
Ainda os ouvira cantar pelas ruas,à noitinha,depois do regresso dos trabalhos. Soltariam as mágoas ou esperariam,deste modo,recobrar forças para o dia seguinte. Ainda os vira sentados em bancos corridos,servindo-se de sopas de pão que fumegavam. Ainda envergou os seus pelicos,quando o frio o atormentava e a eles não,porque a enxada ou a picareta os aquecia. Ainda sentiu o cheiro forte dos seus sobretudos de lã,lembrando pão saído do forno,quando o jipe ia trancado por causa das intempéries. Ainda os viu, atrás de muares,de mão na rabiça do arado rasgando a terra,orientando-se por belgas,ou pela ciência de anos sem conta,ou pela torre de algum castelo ou igreja. Ainda passou por muitas varas de porcos,engordando à custa de bolota dos montados. Ainda se refrescou com pirolitos feitos com água da Serra de Ossa. Ainda comeu à luz de candieiros a petróleo,em vilas cabeças de concelho,e viu correr esgotos a céu aberto.Ainda assitiu ao fabrico de carvão de sobro e de azinho. As fábricas lembravam afloramentos rochosos,que se somavam aos muitos que por lá existem. Não tiveram conta os quilómetros que andara de jipe por caminhos de herdade e os palmilhados por chão plano e por encostas a subir e a descer,umas vezes cobertas de searas e outras à espera de que lá as pusessem. Já passou por alguns "montes" adquiridos com o dinheiro da venda de meia dúzia de metros quadrados urbanos.
TRABALHO
As chaminés do laboratório estavam com tiragem deficiente. Quando os ataques se sucediam,o ar tornava-se irrespirável. Foi necessária a intervenção da empresa instaladora. Isso levou ao convívio,por alguns dias,de operários e de analistas,que facilmente se distinguiam pelas indumentárias. As batas mostravam-se,no geral,menos sujas do que os fatos-macaco. Os instrumentos de análise eram,também,menos ruidosos e de manuseamento delicado. Via-se,claramente,que aos músculos de uns se pedia muito mais esforço,mas quanto às cabeças não se sabia. Do convívio,sempre em boa paz,resultou,certa vez,uma pergunta. Quando fazem estas tarefas,longe da sede,têm direito a uma compensação? Era do contrato. Deduzia-se,com outros dados,que o ganho do operário ultrapassava o de qualquer bata-branca. Vocês,assim,estão a receber quase tanto como o director da instituição. Mas é que nós trabalhamos.
O BEM E O MAL
Era para onde lhes dava,ou era consoante a natureza de cada um. Pagavam o bem com o mal,o caso,segundo se dizia,mais frequente,ou,o que parecia ser muito raro,pagavam o mal com o bem.
domingo, 7 de fevereiro de 2010
PARA ONDE IRIA ?
Ela não dava conta,mas o cigarro na boca ainda lhe punha um ar mais acabado. Ali estava,à mesa do café,mexendo-se nervosamente. Pedira uma bica,mas não viera como ela queria. Foi o seu primeiro protesto. Mas outros se seguiriam,que ela tinha agora começado. O maço precisava de se esvaziar. Não acabava um e já acendia outro. A bebida regressou,mas ainda não foi desta que a satisfizeram. Não havia meio de acertarem. O empregado já a conhecia. Aquilo era um ritual em que ele colaborava. Mas não só ele. Não descansaria enquanto não fizesse intervir este e aquele. E foi o costume. O colega do que a tinha servido,o que se encontrava na copa,o engraxador,a mulher da limpeza. Não escapou um. Ela tinha de se entreter,que em casa não havia ninguém. Talvez o gato e menos provavelmente o cão. Sobre a mesa,descansavam dois copos cheios de água. Aquilo iria durar. E a bica estava fria. Quantas vezes teria de vir ali para saberem dos seus gostos? A bica não era uma qualquer,pois a chávena vinha num cestinho,para aconchegar. Era assim que ela queria. Sim,que ela não era para ali uma qualquer. E não seria. Havia ainda uns restos do que fora,nas atitudes,na cabeça,no porte. Quando permanecia quieta,os seus olhos miravam lá muito para longe. Durava isto uns momentos,regressando de novo aos seus afazeres. As beatas acumulavam-se e os comparsas ajudavam. Era capaz de se demorar ali a tarde toda. Para onde é que iria?
CABEÇA PENDENTE
Para ali está a pobre velha no seu palácio,um rés-de-chão de casa velha,em rua estreita,do lá passa um. É só uma porta e uma janela. Para ela deve chegar e sobejar. É por detrás da janela que ela se põe para ver a paisagem. Estará farta dela,que bem pobrezinha ela é,pois,lá de longe em longe,dá-lhe para pôr a cabeça de fora,procurando esticá-la,para mais abarcar. Privilegia o lado nobre,o que deita para uma quase avenida. O outro leva a uma muralha. O que ela daria para lá morar,mesmo que ao nível seu conhecido,ou até numa cave. Lá se irá conformando,que melhor remédio não lhe é consentido ter. Mas há dias,estaria desesperada. Tapara a cara com ambas as mãos,de cabeça pendente. Estaria chorando,que a sua estreita rua será um vale de lágrimas. Pelo menos,em ocasiões de fortes chuvadas,escoar-se-ão por ela,vindos da tal quase avenida,caudais de respeito. Para ali está,pois,a pobre velha,há espera não se sabe de quê. Talvez do paraíso,que ela bem o merece.
MUITO PÃO
Ele não nascera lá e tinha estado noutros sítios. Mas era lá que ele se sentia melhor. Parecia uma coisa sem explicação. Quando por lá se demorava,ou apenas passava,era uma sensação de aconchego,de bem estar. Seria por ter sido em tempos uma terra de muito pão?
sábado, 6 de fevereiro de 2010
DESABAFO
Era uma mulher de meia idade. Vinha muito carregada e tivera de vencer uma ladeira íngreme. Rica ocasião para descansar e ficar um bocado à conversa. Quando as coisas se proporcionam,não se pode calar uma pessoa que tem os seus problemas. E nada melhor do que um desconhecido,com ar de quem dali não vem mal ao mundo,para desabafar. Ela bem precisada estava,coitada. Com as vizinhas não podia,que eram todas umas invejosas. Que culpa tinha ela de possuir um filho que era um verdadeiro artista? Sim,que culpa tinha ela? Tem um grande jeito para a música. O chefe da banda faz-lhe ,porém,a vida negra,pois sabe que o meu filho vale mais do que ele. O que nos salva é o presidente da câmara que lhe reconhece as qualidades e que o proteje. Já lhe prometeu, até ,ajudá-lo a tirar um curso lá na cidade . Se eu fosse contar isto às minhas vizinhas,riam-se de mim. Não acreditavam e chamavam-me outra vez vaidosa. Mas isto é tudo inveja. Coitado também do presidente ,que não se livra dela. Há para aí gente que não gosta dele e dizem coisas. Invenções,é o que é. E invejas,também,é o que eu digo. Ficava muito agradecida por a ter escutado. Com a vizinhança,está proibido,caem-me logo em cima. Vivo para ali sozinha,à espera de que o meu filho chegue.
E O GATINHO?
Dali,via-se a foz do grande rio. Estava uma manhã carrancuda e chovia. Pequenas embarcações de pesca,quase escondidas,pontuavam as negras águas. Muito custa a vida para alguns. Olhe que não é bem assim. Eles sabem do seu ofício,esclareceu um homem de meia idade , com ares de manga de alpaca. Aquilo é uma brincadeira para eles,pois não conheceram outra vida. Trazem resguardos adequados. O horizonte carregava-se mais e mais. Metia medo. Um navio, a abarrotar de contentores ,vinha a entrar,avançando muito lentamente. A negrura mal o deixava ver. Ali perto,uma senhora apiedara-se de um gatinho,que andaria perdido e esfomeado. Fazia-lhe muitas festinhas e mais nada. Os barquitos lá continuavam. O navio lá avançava. Entretanto,chegou o comboio e lá foi cada um para a sua vida. E o gatinho ?
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
LIGADOS
http://photos1.blogger.com/blogger/609/1252/1024/_MG_3390.jpg
Do blogue OLHARES DA NATUREZA,de ARMANDO GASPAR
Título do autor
Por um fio.
Do blogue OLHARES DA NATUREZA,de ARMANDO GASPAR
Título do autor
Por um fio.
JARDIM ZOOLÓGICO
http://www.flickr.com/photos/fotografiap/4297689310/sizes/l/in/set-72157623283351498/
Título do autor
Uma ave? Uma nave?
Título do autor
Uma ave? Uma nave?
SOBRE A FOTOSSÍNTESE
Como bem se sabe,a fotossíntese é um processo biológico de importância vital,por ser através dele que se dá a conversão de anidrido carbónico da atmosfera em compostos orgânicos essenciais à vida. É mais um caso da Natureza em que ocorre transferência de electrões.
Aqui,é o anidrido carbónico,mais propriamente,o seu carbono,o agente oxidante,ou seja,o captador de electrões. O agente redutor,isto é,o fornecedor de electrões,é o oxigénio da água,gerando-se oxigénio molecular.
Tudo isto se passa,como é também sobejamente sabido, por acção da energia fornecida pela luz que é absorvida por pigmentos vários,principalmente,clorofilas e carotenóides,de organismos,como plantas superiores e algas.
Aqui,é o anidrido carbónico,mais propriamente,o seu carbono,o agente oxidante,ou seja,o captador de electrões. O agente redutor,isto é,o fornecedor de electrões,é o oxigénio da água,gerando-se oxigénio molecular.
Tudo isto se passa,como é também sobejamente sabido, por acção da energia fornecida pela luz que é absorvida por pigmentos vários,principalmente,clorofilas e carotenóides,de organismos,como plantas superiores e algas.
BECO ESCURO
Podiam ter-lhe dado o nome de biblioteca das três ladeiras,pois tal correspondia á realidade. Duas delas,uma mais íngreme,do lado nobre,assim seja permitido dizer,a ela conduziam. Ficava mesmo no seu encontro,no seu vértice. Daqui,nascia uma outra,quase a pino,que levava a um beco escuro.Estava,pois,bem situada esta biblioteca. Duas vias facilitavam o seu acesso,ainda com a vantagem de se ter todos os santos a ajudarem. A outra,significava ser ela a única saída.Era esta biblioteca um achado dos ricos. Além de livros,muitos livros,para os gostos e exigências mais diferentes,tinha um respeitável acervo de obras de várias artes,algumas delas mesmo na ampla sala de leitura.Era outro regalo para os olhos. Estar ali comodamente sentado,envolto em preciosidades. Mas havia uma que levava a palma a todas elas. Era um vitelo lindo do Tomás da Anunciação.Só tinha um senão esta biblioteca. O soalho rangia,mesmo à passagem de um ratinho. Porque rangeria aquele soalho? Mistérios insondáveis.
O INFERNO
Viera lá da sua terra distante,onde,se pode dizer,corria leite e mel,para se meter numa barraca,nem melhor, nem pior do que as muitas que havia por ali. Só de uma alma como a dele,que não cuidava dessas coisas de boa cama e de boa comida. Por ali andou uns largos anos,ajudando no que podia. Muito resistiu aquele corpo,que raramente se queixaria para não apoquentar a alma. Mas um dia,tiveram de intervir, se não ainda se finava lá o santo. O pobre corpo quase estava reduzido a pele e osso. Entre outras coisas,dava aulas às crianças lá do bairro. E uma delas descreveu-lhe,certa vez,o inferno. Devia ser assim como quando lá na barraca o pai se zangava com a mãe. Ia tudo raso. Ele,coitadito,ficava muito aflito,a um canto,tremendo de medo,esperando que o vendaval passasse.
MAIS RESPEITO
Aos anos que estava ali aquele passeio junto à praia. Pois vieram umas marés mais vivas e foi um ar que lhe deu. Ficaram ainda uns restos a darem uma ideia do que fora antes. Farão um outro mais sólido,por merecê-lo a praia,esperando que o mar,na próxima vez,tenha mais respeito.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
O ESPAÇO E O LUGAR
O homem afadigava-se,mas mais nos fins de semana. Não se tratava só dos clientes,alguns muito exigentes,mas sobretudo dos empregados. Estes não eram de fiar,pelo que necessitava de ter muitos braços e muitos olhos para ter o serviço despachado como ele queria. Ia ficando velho. Já lhe escasseavam as energias para toda aquela azáfama. Depois,a paciência esgotara-se. Sempre a aturar caras novas,pois os aprendizes não se mostravam interessados em aprender. O que queriam era paródia. Ou os tinha de dispensar ou eles se encarregavam disso. E o homem começou a empreender. Isto assim não me convém. Qualquer dia fico-me para aqui. Pode ser que alguém se interesse pelo negócio,ou pelo espaço,que é meu,e me recompense com uma renda de jeito. O negóco não interessou,mas sim o espaço e o lugar,um lugar estratégico,que estavam mesmo bem um para o outro. E agora é vê-lo a rondar por ali,a admirar aquele volumoso caudal de gente,de dia e de noite,claro sinal de que tem garantida uma boa reforma.
O CUMPRIMENTO
Eatava ali, na esplanada ,uma figura pública de há uns anos. Não mudara muito. O que mais se notava eram as bengalas a que se tinha de apoiar . Coisas da vida,a que nenhum se pode eximir. Um senhor,de bengalas ,também,sentado quase à sua beira,facilmente o descobriu. Pudera,pois só por uma forte razão teria falhado o seu programa semanal de largos anos. E agora,tinha-o mesmo ali,bem pertinho de si. Parecer-lhe-ia estar a sonhar. Mas não,era verdade. A vontade que eu tenho de o cumprimentar,disse ele à filha. Era uma grande alegria que me davas,se isso conseguisses. E a filha,sem regateios,a isso se dispôs. E foi bonito ver o fiel ouvinte,muito comovido,estar agora ali junto daquela figura pública,muito do seu agrado,que,gostosamente,lhe estava a receber o cumprimeto. O que diriam lá na terra quando isto soubessem? Haveria ele de muito crescer em consideração.
OS DA TERRA
Coitado dele. É que lá no buraco onde morava, só poderia falar com algum ratinho,ou alguma baratinha. Assim,era visto a procurar falar com algum desconhecido,em paragens de autocarros,
que os da terra mandavam-no passear.
que os da terra mandavam-no passear.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
JARDIM ZOOLÓGICO
http://www.flickr.com/photos/fotografiap/4296949905/sizes/l/
De ficar àqueles olhos preso,e procurar saber o que teriam eles para dizer.
De ficar àqueles olhos preso,e procurar saber o que teriam eles para dizer.
CENTRO DE ENCONTROS DE OUTROS TEMPOS
http://photos1.blogger.com/x/blogger/609/1252/640/215247/_MG_2571.jpg
Do blogue OLHARES DA NATUREZA,de ARMANDO GASPAR
Amieira do Tejo
Se aquelas pedras falassem,muito teriam elas para contar.
Do blogue OLHARES DA NATUREZA,de ARMANDO GASPAR
Amieira do Tejo
Se aquelas pedras falassem,muito teriam elas para contar.
OS AFILHADOS
Era o senhor muito rico e solteiro. Tratava-se,pois,de um alvo sujeito a grande procura. Acontecia,também,que não se lhe via interesse pelo casamento. Gostava de se sentir livre,de modo a poder dedicar-se ao que lhe desse na cabeça. E em boa verdade não parava. A sua figura quase metia dó,de tanta actividade em que se metia. Mas se casar não queria,significava isso que filhos não viria a ter. Não era,de facto,pessoa para os fazer por outra via. E assim,aquela enorme fortuna ficaria para os familiares. Mas nesses abundavam,também,os teres e haveres. Surgiram,então,candidatos especiais,os afilhados. Talvez uma parte do espólio rico lhes viesse parar às mãos. Nunca se vira tanto interessado numa colheita. Mas o que admirava era o senhor aceitar sempre mais um. Não se sabia se o fazia por gosto ou por mania de coleccionador. É que ele tinha várias,algumas de luxo. Acabou isso por se esclarecer. Aquilo não passava,afinal,de uma outra mania,só que de parcos gastos. Do que constou,os meninos e meninas não foram contemplados como desejavam,eles, ou os paizinhos. Também era o que estavam todos a pedir. Não se via logo que era uma coisa sem jeito? Um ou dois,vá que não vá,mas um monte deles cheirava a esturro.
NÃO SOU TOLA
Aquela jovem que ia ali andava a fazer concorrência desleal aos bancos. É que emprestava dinheiro sem dinheiro cobrar. Tinham sido desta vez cinquenta contos. Ainda se não acostumara ao euro. Estás a ver?,desafava ela com uma amiga. Cinquenta contos é obra,não achas? E para quê? Já deves ter adivinhado. Para o desgraçado ir até ao Algarve. Já os terá esbanjado,para me telefonar a pedir mais. Mas eu não caio nessa. Uma vez chega. Não concordas? A outra ouvia apenas. Ela é que não se calava. Quer mais o menino. Já viram isto? Mas noutra é que eu não caio. Não sou tola. Ele que tenha juízo,que daqui não leva mais. Mas isto cheirava a bravata. Não iria resistir,coitada. E o desgraçado iria ter novamente a carteira composta.
MAIS UM TEMPO
Eram duas vasilhas,uma de cinco,e a outra de dez litros. A de cinco podia dar-se por muito feliz por ficar cheia mais depressa. A de dez,coitada dela,tinha de esperar mais um tempo.
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
EM FALTA
Os revisores são uma fonte de sarilhos. Ia a senhora talvez a pensar na sua atribulada vida,quando lhe pedem o bilhete.Estava em falta. Não sabia,pode crer. E devia ser verdade,pois o seu ar era humilde e também honesto. Seria incapaz de prevaricar,tal foi o entendimento do revisor. Desta vez está perdoada,mas agora já sabe. A zona termina lá atrás.Uma das passageiras não perdoaria. Cantigas. São umas sabidas. O que elas querem é andar à borla. Já as conheço. Fazem-se de lorpas,mas a mim não me enganam. O revisor é mesmo um trouxa. Se estivesse no lugar dele,obrigava-a a pagar a multa,para ela aprender. Pois então. Eu cá nunca abusei,sou muito cumpridora.Olhe que talvez não seja assim. A senhora parece não ser de cá. Nada disso. Já as conheço. São umas sonsas,umas espertas. Teve a sorte de dar com um não te rales.E de repente,mudou de disco. Está um lindo dia. E estava,que mais parecia de primavera. Mas nem mesmo aquela luz boa,aquela dádiva,a tornara mais compreensiva.
ESPANTO
Ora ali estava um escrito de há uns dias sobre um assunto que muito o interessava. E começou a lê-lo. Qual não foi o seu espanto,quando deu com frases inteirinhas muito suas conhecidas,por as ter elaborado tempos antes.Isso dera-lhe um trabalhão dos diabos,já que tivera de consultar uma apreciável série de textos de além fronteiras. Podia o outro ter feito o mesmo caminho e o resultado fora idêntico. Há coisas estranhas que acontecem e esta parecia ser uma delas.Passado algum tempo,estava ele a preparar-se para subir a um estrado,quando a máquina de projecção de diapositivos deixou de cumprir a sua obrigação. E agora,se eram dispositivos que ele iria usar? O remédio estava em alterar a prestação,o que foi,sem regateios,concedido.E o que lhe havia de ocorrer? Nem mais nem menos do que a matéria das tais frases. Foi uma coisa espontânea,sem segundas intenções.Então,não é que a ver e a ouvir estava o do tal escrito? O que é que ele havia de ter pensado? Ai o maroto,que está a repetir o que eu já escrevi.
O PODER
Quem tem muito dinheiro pode ter quase tudo. Para compor o ramalhete pode querer,também,o poder. E porque não?
CALCÁRIO
Estavam preocupados,ou assim parecia,com a qualidade da água que saía das torneiras,pelo que se dispunham a alertar os utentes. Para isso,faziam um contacto telefónico prévio,a preparar uma visita-inquérito,prestando,desde logo,algumas informações.
Sabe,a água deve ter calcário. Desculpe,mas isso é que não pode ter,porque é uma rocha. O que quer dizer é que deve ter cálcio,ou melhor,o ião cálcio. Sim,é isso. E por ali se ficou.
Sabe,a água deve ter calcário. Desculpe,mas isso é que não pode ter,porque é uma rocha. O que quer dizer é que deve ter cálcio,ou melhor,o ião cálcio. Sim,é isso. E por ali se ficou.
Etiquetas:
Meia dúzia de palavras,
Um pouco de Química
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
MICORRIZAS
A natureza é sábia. Uma prodigiosa amostra disso são as micorrizas,associações ideais de raízes e de fungos. Pelas raízes, os fungos recebem sintetizados,como hidratos de carbono,aminoácidos,e demais família orgânica. Pelas hifas dos fungos,chegam às raízes o que se encontra dissolvido na água,aumentando-lhes,assim, as suas próprias capacidades. Uma espécie de pagar a dívida.
PORTA ESTREITA
http://photos1.blogger.com/blogger/609/1252/640/IMG_2095_blog.jpg
Do blogue OLHARES DA NATUREZA,de ARMANDO GASPAR
Portas de Ródão
Do blogue OLHARES DA NATUREZA,de ARMANDO GASPAR
Portas de Ródão
DESEMBARAÇO
Ali ia ela,serena,segura de si,como claramente o demonstrou ao longo de acidentado percurso. Era uma moça esbelta,de cabeça bem modelada,artisticamente composta. Amparava-a uma varinha de invisual,que ela elegantemente manobrava.Apetecia segui-la e ajudá-la,mas de ajuda não precisou. Saiu do comboio e encaminhou-se, tranquila,para a escada rolante. Desceu-a naturalmente,tal como outros. Saiu dela,sem uma hesitação,como se estivesse a ver os degraus a terminarem. Alguém ainda pensou que ela iria ter ali um sério obstáculo,mas muito se enganou.Desceu outras escadas,de mistura com a multidão,com o mesmo desembaraço. Rodou à direita,quando foi caso disso,e dirigiu-se para uma das mangas de acesso à plataforma do metro,usando, como qualquer um,o seu passe. Desceu outras escadas e entrou,sem auxílio,numa das carruagenns.Sempre direita,sempre elegante.
O MELHOR DA NOITE
Era dia de cinema,uma grande festa. A casa enchia. Tinha sido um alvoroço antes. Os vestidos,os chapéus,os sapatos,os perfumes,as conversas,os lugares. O balcão era o máximo,mas na primeira plateia não se estava nada mal. Dava para suportar. O pior era a segunda e pior ainda a geral. Aqui ficavam os magalas e os párias. Cheirava mal,sobretudo a suor. E o chão cobria-se de cascas de pevides e de tremoços.Para alguns,a fita era o menos. O que lhes importava era aparecerem,era mostrarem-se,sendo o intervalo o melhor da noite. As luzes todas acesas,não aquela escuridão medonha que igualava tudo. Uns poucos gostavam de se exibir e vinham para a frente. Eles,naqueles fugidios momentos, os actores.E à saída,as despedidas,os cumprimentos. E já uma tristeza,que a noite alta mais acentuava,por se voltar,novamente,à sensaboria de sempre. Por um escasso tempo,ali deixada,ali esquecida.
A PRIMA VERA
E,sem pedir licensa,entrava-lhes pela casa adentro. Ela sabia que eles gostavam muito de a ver. Por isso,às vezes,vinha mesmo antes do tempo. Era a PRIMA VERA. Pois quem é que haveria de ser?
Subscrever:
Mensagens (Atom)