segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

AS JARRAS DA ÍNDIA

"O que custa a largar na vida não é a esplêndida natureza,as grandes ideias,a luta ou as paixões - é o que fazemos todos os dias,é o hábito. Um médico meu conhecido do Porto,o dr.Frias,acabou com estas palavras: - E os meus doentes? que vai ser dos meus doentes? - Um pobre chefe de via e obras do caminho de ferro que eu conheci em Guimarães,só dizia: - A linha! tenham cautela com a linha! - E a mim,uma das coisas que me vai custar a deixar são os meus papéis. A vida leva-nos e aturde-nos. Lutamos. Debatemo-nos. Mas quando chegamos ao fim estamos todos docemente maníacos. O cúmulo é o caso acontecido com o Alfredo Guimarães,cuja vida se passou na constante preocupação do bricabraque e que na agonia recomendava ainda:- Olhem lá se esses homens quando descerem com o meu caixão vão partir as jarras da Índia que estão no patamar da escada."

RAUL BRANDÃO

Memórias ( Tomo II ) Vol. 1 p.187-8
Relógio D ' Água Editores
Março de 1999

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