quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

MOTOR ESCONDIDO

Impressionava o desempenho do jovem loiro. Fazia parte de um pequeno grupo que se entretinha a jogar à bola na relva do jardim. Distinguia-se bem dos outros rapazes. Além de usar duas canadianas,a disposição das suas pernas era muito diferente. Divergiam um tanto,indo cada uma para seu lado,suspensas. Com excepção da cabeça,que era perfeita,o resto,especialmente o tronco,não destoava daquelas.Apsar de tanto contratempo,pode dizer-se que se comportava tão bem,ou melhor do que os companheiros,no chegar ao esférico,no conduzi-lo,no pará-lo. Um prodígio. Parecia ter quatro pernas,tal o entendimento de membros e amparos.No querer de não ficar atrás dos outros residiria o segredo de tanta vitalidade,de tanta coordenação. Superar-se-ia. A rapidez das deslocações sugeria ter motor escondido. Muito pode,de facto,a vontade. Não removerá montanhas,mas atraver-se-á a fazê-lo. Estava ali um exemplo para tantos,carenciados ou não. Ele era,afinal,um semelhante. Os outros assim o comprenderiam ou aceitariam,tal a naturalidade que punham ao acompanhá-lo nas movimentações.A certa altura,os parceiros deram mostras de desejar um período de descanso. Mas ele não deixou,incitando-os a prosseguir sem desfalecimentos. Não era,efectivamente,um coitadinho,longe disso. Aquele tronco um tanto torcido,aquelas pernas bamboleantes,como pêndulos,pareciam não pertencer àquela cabeça,que quase os ignoraria. As muletas por elas comandadas cumpriam bem o seu papel.

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