"Ao falar de poetas que vivem vinte e sete anos é costume começar assim: - "Se tivesse vivido sessenta,setenta anos...". E aquele se mandado adiante justifica,por si só,todo o carácter precário,insuficiente,do encontro que o crítico teve com o artista. Seja lá por que for,esquivou-se a um encontro. Em vez de um poeta que foi,e portanto é,dão-nos um poeta que poderia ter sido. A uma realidade substitui-se um mito....
Um poeta é o que foi. Está aí. É assim. Espectáculo,no mundo da criação poética,para a grande
república das letras. Não podemos lamentar uma rosa lá porque seja a flor de um dia. Se vivesse
mais,poderia ser muitas coisas,mas não seria uma rosa. A morte,por muito imprevista que seja,tem de encarar-se como um facto biológico,e não patológico. Verdadeiramente,não interrompe uma existência,embora a imagem do caule que a mão traiçoeira corta possa ter a sua beleza....
Mas há mais ainda. Se o poeta que morreu em plena mocidade é um poeta autêntico,o encontro com ele tem muitas vezes de ser violento. Podemos pretender esquivar-nos a ele porque,em suma,compromete. A sua arte não chegou a atenuar todas as arestas de uma sinceridade primitiva. O brilho de liberdade ,de força expansiva que há nos olhos do homem que deita o saco do farnel para trás das costas,disposto a empreender jornada,ainda se não viu embaciado pelas disputas em mercados de palavras,pelas mãos côncavas da avareza,pelas convenções de boa vizinhança que encontrará ao longo do caminho.... "
RUY BELO
Na Senda da Poesia
Edição de Maria Jorge Vilar de Figueiredo
Assírio & Alvim
2002
quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
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