sábado, 20 de março de 2010

AQUELE VAZIO

O senhor António não vivia mal. Tinha a sua reforma e ainda uns rendimentos lá na terra. A casa era dele. Na falta de filhos,arranjara um cão. O animalzinho andava passando um mau bocado. Por via disso,o senhor António não largava a porta do veterinário. E era um desabafar quando o encontravam. Aquilo pareciam mesmo agruras de pai ou de avô. Vejam lá,um bichinho tão bonito,tão manso,tão meu amigo,a padecer desta maneira,que o médico bem me diz. Tenho feito tudo,mas,coitado,não deve durar muito. E quase chorava. Lá o procuravam consolar,mas via-se que pouco adiantava. O cãozinho não durou,de facto,muito. O senhor António esteve para morrer também. Não saiu durante uns tempos,tal fora o golpe. Quando se atreveu,nem parecia o mesmo,vergado ao peso da dor e da ausência. Não mais se recomporia,confessava. Quem poderia preencher aquele vazio? Era realmente forte e sério o sentimento que o cãozito lhe inspirava. Só uma coisa lhe despertava algum interesse,a saga da bola. Sobraçando um jornal desportivo,às vezes,dois ou mais,lá ia ele sentar-se sempre no mesmo café,onde passava horas, devorando todas as páginas.

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