quinta-feira, 27 de agosto de 2009

E OS HOMENS FIZERAM O VINHO...

E os homens fizeram o vinho… Galgaram montes, quebraram a rocha, fizeram a terra, levantaram muros, seleccionaram castas, plantaram videiras. Sofreram o oídio, a filoxera, o míldio e a maromba, recomeçaram tudo várias vezes. Sofreram o paludismo, as sezões, a pneumónica e a tuberculose. E recomeçaram.
Mandaram vir cepas americanas, enxertaram variedades rústicas, arranjaram remédios, o sulfato, o enxofre ou o bórax. Trataram das vides melhor do que as suas próprias vidas. Trataram das videiras como trataram dos filhos, as adegas como se fossem as suas casas. Podaram, enxertaram, cavaram, escavaram, redraram e nunca um desses trabalhos foi simples ou fácil. Encosta acima, foi sempre um calvário. Vindimaram a cantar, para esquecer o cansaço e os calores de quarenta graus. Levaram as uvas às costas, em cestos de quatro ou cinco arrobas, em sítios aonde não vão carros de bois, onde se desce para o precipício e se sobe para o inferno. À noite, pisaram uvas, cortaram lagaradas, horas a fio, num dos mais violentos trabalhos de toda a agricultura, que os álbuns de turismo ou os citadinos filhos de proprietários acham tão pitoresco, mas que só se aguenta porque é preciso viver, porque uma posta de bacalhau cru e um caneco de aguardente aquecem o corpo e porque as mulheres, em frente as lagares, aquecem as almas. Transportaram tudo à cabeça e ás costas, almudes de água-pé, canecos de água, vasilhas de aguardente; pedras e terra; esteios de ardósia, rolos de arame, cepas, cestos de uvas. Carregaram carros de bois, desceram os montes, entraram no rio, carregaram barcos rabelos, desceram o rio, conduziram o barco, descarregaram o barco, carregaram os vapores, voltaram ao rio, subiram o rio, levaram os rabelos à sirga, à corda, rio acima, no que deveriam ser as galeras do Douro. Foi este o homem do Douro. Foram os que morreram debaixo de rochas e de rodas, afogados no rio, abafados em tonéis, a tremer de febres e de paludismo, foram eles que acabaram o que a natureza apenas tinha começado.E fez-se o vinho, o vinho fez os homens e os homens fizeram o Douro.Entre todos esses homens, uns deixaram nome. Dois gingantes, os mais conhecidos, foram contemporâneos, ainda hoje se fala deles como se fossem nossos íntimos: o barão e a ferreirinha. In Douro - António Barreto

In http://www.dodouro.com/noticia.asp?idEdicao=211&id=11527&idSeccao=2305&Action=noticia

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