quarta-feira, 12 de maio de 2010

PRATELEIRA

Não era para acreditar. No topo da escada íngreme,via-se um exíguo patamar,onde cabia uma cama e pouco mais. Estava lá,de facto,uma cadeira desconjuntada,sempre na iminência de ir parar ao abismo. Na cama,ou,mais exacto,no catre,jazia uma velhota entrevada. Uma fresta,sem protecção,rasgava-se na parede,um pouco acima da cabeça da inválida. O terceiro degrau da escada era a base de um fogareiro a petróleo. Está-se mesmo a ver o que acontecia quando a fonte calórica desempenhava as suas funções. Os vapores dos cozinhados e os gases de combustão,antes de se escaparem pela fresta,visitavam minuciosamente aquele corpo a despedir-se,como numa tarefa de mumificação. Incensado daquela maneira,estaria garantida a sua incorruptibilidade. Mas porque ficava aquela mártir naquele patamar? Pela razão muito simples de que não havia outro sítio para a depositar. Pai,mãe e filha era gente demasiada para uma só divisão. A velhota tinha de ir para a prateleira.

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