quarta-feira, 22 de setembro de 2010

UM SUFOCO

O tio Joaquim é que parecia ter razão,o tio Joaquim que morava ali no rés-de-chão frente,e que,agora,já lá não mora,não se sabendo porquê,talvez tivesse ido desta para melhor,que ele,coitado,nos últimos tempos, já não andava lá muito bem.
Pois o tio Joaquim dizia a quem o queria ouvir,embora quase ninguém lhe ligasse,o que parecia não o apoquentar,dizia que o mundo não tem conserto,que é um mundo do faz de conta,das esmolinhas,das importâncias,das grandezas,do vira o disco e toca o mesmo,dos projectos- piloto,das metas sempre adiadas,das decisões para o caixote do lixo,das crises eternas,do salve-se quem puder.
Com tantas inteligências,continuava ele a dizer,com tantas sumidades,com tantos mestres,com tantos sábios,com tantos Nobel,e não haver um que conseguisse pôr o mundo nos eixos,que o endireitasse,que acabasse com a fome,com as barracas,com a miséria,com as desconfianças,as ambições,as vaidades,as invejas,com toda essa tralha de coisas inúteis,que já há muito se devia ter sumido nas profundezas para sempre,à semelhança de muito matéria orgânica,para que houvesse um ar respirável,que,como estava,era um sufoco.

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