quinta-feira, 12 de março de 2009

PACIÊNCIA

Vivia ele a pensar no fim do mês,esperando ansiosamente que ele chegasse. Os tempos mais vividos eram os últimos dias,muito em especial a véspera,que até lhe dava um certo gozo. Depois,vinha depressa a realidade. Ainda há pouco contava as notas e já quase nenhuma lhe restava. Uma parte para isto,outra para aquilo, e acabava por chegar sempre à mesma conclusão,que era a de estar ganhando pouco.
Se ele tivesse feito certas economias,talvez a angústia fosse menor,mas o diabo da sociedade de consumo em que ele estava metido até ao pescoço,e mesmo mais acima,não lhe deixava apreciável margem de manobra. As tentações eram múltiplas,estimuladas pela artimanha das prestações,até nas viagens ao estrangeiro,pois podia-se ir por esse vasto mundo quando lhe apetecesse,pagando,aos poucochinhos,durante um ano ou mais,tempo de muitas aflições,mas largamente compensadas pela satisfação que colhia sempre que narrava os pormenores das passeatas aos amigos,mas,sobretudo,aos "inimigos".

As viagens tinham,também,uma certa semelhança com a espera da próxima mesada. O melhor estava na sua preparação. Era a leitura da prosa de encantar lá dos folhetos,era a beleza inexcedível das imagens,era o passeio estimulante pelos mapas. Depois,depois,não fora bem assim que tinha imaginado,pois as visitas terminavam quando mal tinham começado,a comida deixara muito a desejar,alguns dos companheiros não tinham ponta por onde se lhes pegasse,enfim,uma seca,uma coisa para esquecer,tomara que aquilo acabasse,e depressa. Mas no ano seguinte,lá voltava a repetir,senão o que é que haviam de dizer lá no emprego,e não só? Tinha de ser,uma fatalidade.
O que lhe valia eram os subsídeos de férias e de fim do ano. Esperava por eles tal,ou mais,como nos finais dos meses. Passava também uns bons bocados quando da aproximação da taluda, mas era sempre sol de pouca dura,pois bem depressa levavam sumiço,uma desgraça. Não havia volta a dar-lhe. Paciência,era o que ele tinha de arranjar. Era a vida,que a uns corria às mil maravilhas,pelo menos era o que parecia,a outros era o que se via. Paciência.

1 comentário:

Maria Lua disse...

Deixo a a resposta: A Melhor Maneira de Viajar é Sentir de Álvaro de Campos, in "Poemas"
(Heterónimo de Fernando Pessoa) em: http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=200809030431

Espero que goste!
:-)