sexta-feira, 6 de março de 2009

SINGULARIDADES DE UMA RAPARIGA LOIRA

(...)Macário estava então na plenitude do amor e da alegria.Via o fim da sua vida preenchido, completo, radioso. Estava quase sempre em casa da noiva, e um dia andava-a acompanhando, em compras, pelas lojas. Ele mesmo lhe quisera fazer um pequeno presente, nesse dia. A mãe tinha ficado numa modista (1), num primeiro andar da Rua do Ouro, e eles tinham descido, alegremente, rindo, a um ourives que havia em baixo, no mesmo prédio, na loja.O dia estava de Inverno, claro, fino, frio, com um grande céu azul-ferrete, profundo, luminoso, consolador.- Que bonito dia! - disse Macário.E com a noiva pelo braço, caminhou um pouco, ao comprido do passeio.- Está! - disse ela. - Mas podem reparar, nós sós...- Deixa, está tão bom...- Não, não.E Luísa arrastou-o brandamente para a loja do ourives.Estava apenas um caixeiro, trigueiro(2), de cabelo hirsuto (3).Macário disse-lhe:- Queria ver anéis.- Com pedras - disse Luísa - e o mais bonito.- Sim, com pedras - disse Macário. - Ametista, granada. Enfim, o melhor.E, no entanto, Luísa ia examinando as montras forradas de veludo azul, ondereluziam as grossas pulseiras cravejadas, os grilhões, os colares de camafeus (4), os anéis de armas, as finas alianças, frágeis como o amor, e toda a cintilação da pesada ourivesaria.- Vê, Luísa - disse Macário.O caixeiro tinha estendido, na outra extremidade do balcão, em cima do vidro da montra, um reluzente espalhado de anéis de ouro, de pedras, lavrados, esmaltados; e Luísa, tomando-os e deixando-os com as pontas dos dedos, ia-os correndo e dizendo:- É feio. É pesado. É largo.- Vê este - disse-lhe Macário.Era um anel de pequenas pérolas.- É bonito - disse ela. - É lindo!- Deixa ver se serve - disse Macário.E tomando-lhe a mão, meteu-lhe o anel devagarinho, docemente, no dedo, e ela ria, com os seus brancos dentinhos finos, todos esmaltados.- É muito largo - disse Macário. - Que pena !- Aperta-se, querendo. Deixe a medida. Tem-no pronto amanhã.- Boa ideia - disse Macário - sim senhor. Porque é muito bonito. Não é verdade? As pérolas muito iguais, muito claras. Muito bonito! E estes brincos? - acrescentou, indo ao fim do balcão, a outra montra. - Estes brincos com uma concha?- Dez moedas - disse o caixeiro.E, no entanto, Luísa continuava examinando os anéis, experimentando-os em todos os dedos, revolvendo aquela delicada montra, cintilante e preciosa.Mas, de repente, o caixeiro fez-se muito pálido, e afirmou-se em Luísa, passando vagarosamente a mão pela cara.- Bem - disse Macário, aproximando-se - então amanhã temos o anel pronto. A que horas?0 caixeiro não respondeu e começou a olhar fixamente para Macário.- A que horas?- Ao meio-dia.- Bem, adeus - disse Macário. E iam sair. Luísa trazia um vestido de lã azul, que arrastava um pouco, dando uma ondulação melodiosa ao seu passo, e as suas mãos pequeninas estavam escondidas num regalo(5) branco.- Perdão! - disse de repente o caixeiro.Macário voltou-se.- 0 senhor não pagou.Macário olhou para ele gravemente.- Está claro que não. Amanhã venho buscar o anel, pago amanhã.- Perdão! - disse o caixeiro. - Mas o outro...- Qual outro? - disse Macário com uma voz surpreendida, adiantando-se para o balcão.- Essa senhora sabe – disse o caixeiro. - Essa senhora sabe.Macário tirou a carteira lentamente...



Um conto de Eça de Queirós

http://cvc.instituto-camoes.pt/contomes/02/

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