domingo, 31 de agosto de 2008

UMA FORTUNA

Que memória a dele. Não haveria muitas assim. De invejar mesmo. E também,de vez em quando,de o provocar. Olha lá, tu não te sentes ,às vezes,em dívida? Uma memória dessas vale uma fortuna. A sorte que tu tiveste. Assim,sem mais nem menos,recebes um presente destes,um presente para toda a vida.
Não te ocorre,uma vez por outra,agradecer? A quem? A gente sabe que tu com Deus não queres nada. Mas tens o teu pai,a tua mãe. Agradecer a um ou a outro,ou aos dois. Eu agradecer a memória que fui eu que a fiz? A agradecer, era a mim,a mais ninguém. Era assim. Mas não era mau rapaz.

CESTO DOS PAPÉIS

Era uma senhora já reformada. Uma senhora que ainda tinha muito para dar. E deu,fora do seu país,passando um mês ali,outro mês acolá,por via das suas muitas amizades.
Num deles, teve uma grande surpresa. Olha o que eu estou a ler? Era a capa de um trabalho sobre uma matéria da sua especialidade. Ora vamos cá ver se esta gente sabe do que eu fiz. E qual não teria sido o seu espanto,ou outra coisa qualquer,que nem a mais leve referência lá vinha sobre o que ela tinha feito. E teria ficado triste,e teria atirado o trabalho para o cesto dos papéis.
Este atirar foi o que foi espalhado aos quatro ventos. Estava lá e vi,eu seja ceguinho. E não se cansava ele de o repetir. Afinal,o trabalho não valia nada. A mim cá me parecia. E fora preciso essa senhora vir lá de fora para dizer que o rei ia nu.
O calor que punha na denúncia era tal que alguém pensou que não fora a senhora que atirara,mas sim ele mesmo. E está-se mesmo a ver porquê.

SURPRESAS DA VIDA

Um massacre. Das duas às seis. O exame repartido por três fases. Na fase um,foi com o assistente. Desculpe,senhor professor,mas essa matéria não está no programa. Isso é que está. O contínuo vai confirmar. Veio o contínuo. Pobre dele. Deu sim senhor. Eu não disse?
A fase dois era solitária. As respostas eram por escrito. A sua apreciação seria feita pelo assistente,sentado ao lado do Professor,que conduzia a terceira frase. Que grande erro,interrompeu o assistente. Que grande erro. Com ele, o aluno estava arrumado. Que erro é?,quis saber o Professor. É só isso? Esse erro também o cometo eu muitas vezes. O aluno arranjara no Professor um aliado de peso. O assistente ali não contava.
Os anos correram. O assistente passou a contar. E o antigo aluno passou a ter nele um amigo. Quem diria? Surpresas da vida.

TRÊS LEMBRANÇAS DE NEWCASTLE UPON TYNE


Como não podia deixar de ser,por mais de uma razão,a de Eça de Queirós,que aqui viveu de 1874 a1879. Habitou na Grey Street e tinha o consulado na Eldon Square,ali a dois passos,bem no coração da urbe. Rua e Praça, dois locais emblemáticos,sobretudo a rua,uma das mais distintas do Reino Unido.
Depois,um livro de arte de Reynaldo dos Santos,bem visível numa das livrarias mais frequentadas.
Last but not the least,uma montra onde se expunham cebolas. Não eram umas cebolas quaisquer,não senhor. Lá estava bem escrito,em letra grossa,sublinhada,"portuguese onions". Não era preciso mais nada.Deviam fazer bicha.
E assim se indicaram as três lembranças,afinal,à boa maneira de Eça. Começar em tom alto,e depois,catrapus,vir parar cá abaixo,onde ,aliás,não se está nada mal,já que é de cebolas portuguesas que se trata.
Imagem retirada da Biblioteca Nacional
High Level Bridge
Gravura de W.P, ca.1880
in The Illustrated London News,1880,vol.78,p.592
BN J.E. 76 v.

FUNDILHOS

Era um homem alto,bem parecido. O basto cabelo negro,ondulado,não lhe caía pelas costas largas,mas coroava-o,à maneira romana. Alguém o recordara em três alturas marcantes do seu florido percurso.
Na sequência,primeiro,em moço,alta noite,sentado num banco de laboratório,analisando. Já perdera muito tempo,pelo que tinha de compensar. Exigências da vida que escolhera,para a qual,aliás,estava fadado.
Depois,um pouco lá mais para diante,dirigia-se, em bicicleta,um tanto esmagada ao peso de quem lá ia,ao encontro da sua cadeira de edil. As calças,via-se bem,tinham sido reforçadas por uns fundilhos de todo o tamanho.
Para remate,poucos anos volvidos,chegou a vez de trocar a cadeira por um cadeirão. Era o que mais se apropriava à sua imponente figura. Ali,os fundilhos não ficavam bem. De resto,nunca se esclareceu porque os mostrara naquela vez. Mas uma razão devia ter havido,e uma razão de monta. Mas qual?

sábado, 30 de agosto de 2008

CARA DE PARVO

Isso de amar o próximo como se fosse Deus estava muito bem,mas não se devia ser parvo. Foi assim mesmo que ele disse. Mais ainda,estava também escrito,em especial,o não ser parvo. Não disse onde,mas era sua convicção,certeza até. Trocando por miúdos,o que ele queria que entendessem,de uma vez para sempre,é que em primeiro lugar estava ele,depois ele e assim por diante. Sim,amava Deus,pois então. Sempre tinha sido assim,desde que se conhecia. E o próximo também,mas não se devia ser parvo,estava escrito.

O amar o próximo como a Deus estava bem para os santos,uns pobres de causar dó. E se um dia lhe passase pela cabeça imitá-los,com que cara haveria de aparecer aos amigos,que aos inimigos nem pensar numa coisa dessas? Cara de parvo,com certeza. E depois,eles diriam chega-te para lá,que não te conhecemos.

Mas então os mandamentos? O que é lá isso? Ah,sim,isso é só para os parvos. Entretém-nos e sempre lhes dão algumas alegrias. São os eleitos,os escolhidos,isso os satisfazem. E ficam para lá muito quietinhos,muito mansinhos,que, depois,terão a recompensa.

O SONHO

Pelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo Sonho é que vamos.

Basta a fé que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

-Partimos. Vamos. Somos.

SEBASTIÃO DA GAMA

Pelo Sonho É Que Vamos 4ªEdição
Edições Ática
1971

CANTIGA

Se eu fosse alguém ou mandasse
Neste mundo de vileza
Só pensava numa coisa
-Acabar com a pobreza.
Dar à vida outra feição
Mais igual,mais repartida,
Seria o meu grande sonho,
A minha grande alegria,
E a cada boca num beijo
Dar o pão de cada dia.
....
Não ouvir uma criança
Na tristeza de uma queixa
Fazer-nos sentir a morte
E o luto que ela nos deixa;
Podermos dar num sorriso
A expressão da felicidade;
Cada mortal possuir
A sua razão de ser,
-Assim gostava da vida
E gostava de viver.

António Botto

O LIVRO DO POVO
Livraria Ecletica
1944

UM POUCO DE LISBOA E ARREDORES












































Da Galeria de pixel2z2


O título é da inteira responsabilidade do intruso








sexta-feira, 29 de agosto de 2008

QUASE SÓ A CAMISA

Daria um certo jeito que aquelas contas em atraso fossem todas cobradas. É que,por junto,aquilo eram uns bons milhares,uma pequena fortuna para a época. Como fora possível fiar tanta mercadoria,tanto mais que o dono dela não nadava em dinheiro,antes pelo contrário. A vida estava difícil e o lojista tinha o coração ao pé da boca. Era incapaz de dizer não.
O pai encarregava o filho,um moço de pouco mais de dez anos,de ir bater às portas . Não se lembrava ele de alguma vez deixar o papelinho denunciador da falta,embolsando o que lá figurava,ou qualquer coisa por conta. Ainda insistiu o moço, uma e mais vezes,mas em vão. Cansara-se também de bater e até já o fazia muito envergonhado. Não valia a pena continuar. Era como se as dívidas tivessem prescrito. Seria,talvez,esse o entendimento dos devedores.
Existiria na altura já a figura dos incobráveis. Mas as atitudes seriam outras. Hoje até há empresas especializadas na recuperação. O remédio,naqueles atrasados tempos,era,na maioria dos casos, o esquecimento. Foi o que sucedeu no que aqui se alude. Não procedeu o lojista,afinal,como fizeram com ele . Quase lhe iam deixando só a camisa.

GOSTO DE MIM,GOSTO DE MIM

Não se estava à espera,mas fora o que se ouvira. Gosto de mim,gosto de mim. Teria as suas razões,fortes seriam elas,para assim se gostar. Pensaria muito no que,ultimamente,vinha fazendo e acharia que o seu comportamento merecia nota alta. E assim,frequentemente,não se continha. Tinha de o proclamar,onde quer que estivese. Gosto de mim,gosto de mim.
Não era um velho ainda,mas para lá caminhava a passos de gigante,ele e outros,ele e todos,afinal. Já não estava com a companheira há muito tempo,da qual se tinha separado um tanto azedamente. Coisas da vida,estão sempre a acontecer. Mas ela adoecera,de doença muito ruim,e era ele que lhe estava valendo. Vinha vê-la quase todos os dias para lhe prestar assistência. De algum modo,estava pagando o mal com o bem,pagamento muito raro,ontem e hoje.
Talvez muitos não teriam assim procedido,tal seria o seu entendimento. Ela que se arranjasse. Estaria aqui,neste entender,o seu gosto de mim incontido. Que outra explicação encontrar?

A MODOS QUE MORTAL

Apetecia chamar-lhe nomes,nomes feios. Ali submetidos,atentos e obrigados,suspensos daquelas follhinhas,como estava escrito algures,daquelas folhinhas volantes. Mas seria isso uma injustiça das grandes,uma injustiça sem nome,de bradar mesmo aos céus,pois a culpa,se a havia,não era deles, certamente.
E logo eles,coitados,que mal ganhavam para as magras sopas,quando trabalhavam,e mal continuavam a ganhar,quando se dava o render do posto do fazer pela vida. Talvez lhes tivessem dito que ali e acolá o podiam fazer de graça,escusavam de os ir comprar. Nalguns desses sítios havia ainda livros e outras amenidades mais,pelo que passariam lá uns momentos bem passados. Livros? O que era isso? Sim, tinham ouvido falar,mas isso era para doutores. E passavam de largo.
Mas voltando às folhinhas. O que é que lhes adiantava lê-las? A eles,nada,porque na mesma ficavam ou pior. Mas adiantava,sim,a outrem. Parecia tudo isto um plano bem urdido,um plano inconfessável.
E saberiam eles,coitados,a distância que separava as suas pobres rendas das dos que eles idolatravam,desses,e não só? Sabendo e não reagindo,era isso sinal evidente de que o plano era um muito bem concebido. Seria a mente a visada,um golpe a modos que mortal.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

DEZ FARIAM MELHOR

Era caso para o homem andar angustiado. É que o material com que trabalhava não se podia reduzir a números. Aquilo era mesmo como o cada cavadela sua minhoca,todas diferentes no tamanho,na forma,na cor.
Pois não era de desanimar ,entre outros factos,o saber-se que decorrido o tempo necessário para se apurarem conclusões que servissem de guia,logo apareciam novas variedades,que,como o nome sugere,apresentavam novas características,novos comportamentos?
E quando pensava em muitos que poderiam beneficiar com as últimas aquisições,para quem certos conceitos eram coisas de outro mundo? Não mais se esquecera de que,em certa ocasião,ficara muito admirado ao verificar o desconhecimento das medidas de área do sistema decimal. Como poderia haver entendimento?
Depois,o senso de alguns que os levava a perigosos exageros. Tinham-lhe dito que devia aplicar apenas cinco. Parecia-lhe pouco. Se cinco faziam bem,dez,certamente,fariam melhor. E vá de pôr dez,com o risco de intoxicar o sistema num ou noutro troço,ou em todo ele. Havia quem exultasse com tais exageros,pois só viam o dia de hoje.
E o fraco valor de certas obras julgadas de grande interesse ,quando se tinham ignorado factores essenciais?



Mas não era para admirar que à sua beira se vissem estas coisas,quando lá fora se passavam casos similares. Pois não estivera com alguém de certa especialidade que fora mandado de uma zona tropical para uma temperada,como de uma simples mudança de camisa se tratasse? Antes de ensinar,teria de aprender. E no final,foi capaz de ter lucrado mais ele do que os outros que esperavam dele conselhos. Tinha-se seguido logo o contacto como outro que fizera o circuito inverso. A aparente ligeireza de tais deslocações. E aquele de um professor de química de um país avançado que decidira ressuscitar uma disciplina que fora abandonada por caduca,quando um aluno lhe respondera que o simples cloreto de sódio,o que está no sal das cozinhas,era um material de construção?

UMA AJUDAZINHA

Confrangia o apelo da senhora,ali naquela sala de plateia a nível nacional. Parecia uma mendiga de mão estendida,solicitando uma ajudazinha. Tratava-se de uma confeitaria centenária,lá para o Norte,em riscos de ter de fechar as portas. As histórias que ela teria para contar,histórias que fariam parte de uma história maior,digna de ser guardada para que pudessem ficar a sabê-la os que viessem depois.

Passara-se em tempos por lá. Apreciara-se,como não podia deixar de ser,as especialidades da casa. Mas apreciara-se,sobretudo,o envolvimento,o chamado ambiente,humano e mobiliário. Tudo aquilo respirava tempos românticos. A delicadeza do trato,do estilo de que o freguês é que tem sempre razão,não tinha par. Parecia ter-se mergulhado no tempo,de um tempo que morreu,acabou-se,já não há mais,agora só em sítios como aquele,que deviam ser agarrados,conservados,como jóias sem preço. Talvez,até, tivessem passado por ali o Camilo,o Nobre,o Pascoais e outros da mesma família.

Pode ser que o seu apelo tenha sido escutado,quem sabe? Pena foi que a pobre senhora estivesse ali de mão estendida solicitando uma ajudazinha.

JÁ ERA TEIMA

Os nós de pedra a encimar aquele portão de palácio sugeriam um aviso. Tenham cuidado que dali em diante,vindo da povoação,poderiam encontrar o que não estavam à espera.
Não foi preciso,de facto,andar muito. Aquilo eram mesmo olivais,mas de não muito vulgar densidade. Quase se podia dizer que estavam as árvores em cima umas das outras. Para além disso,o chão era vermelho carregado. Tudo junto fizera que ,na fotografia aérea, não passava aquilo duma mancha sem resolução. Um sarilho para quem estava interessado em pormenores. Dali não se saiu tão cedo.
Lá mais para diante,manchas negras moviam-se. Eram touros,daqueles já crescidos,a fazerem pela vida. Não estariam muito interessados em sair donde estavam,pois comida e bebida não lhes faltavam. Foi só o susto,talvez nem isso. É que uma respeitável barreira estava lá a dificultar-lhes os movimentos.
Mas não muito longe,nuvens carregadas,a cada passada,nasciam do chão. Era o chão a desfazer-se em pó,num pó também vermelho. Vermelho ficava-se. O que iria resultar dali? Nada mais nada menos do que mais touros,esses ainda a crescer. Andavam girando, como os carneiros,na mira de ervinha tenra. Já era teima. Outro sarilho,de que se saiu vivo,graças a umas certas habilidades de quem muito os respeitava.

PALÁCIO ANJOS















Em Algés. Antigo Chalet Miramar. Construção dos fins do século XIX. Foi seu primeiro proprietário o comendador Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos(1845-1905). Deputado,pelo menos,em duas legislaturas,foi eleito para a Câmara dos Pares e feito Par do Reino Vitalício por carta régia de de 29/12/1900.
Residência de verão,nele estiveram figuras ilustres,como Eça de Queirós e Cesário Verde.
Actualmente,depois de remodelado pela Câmara Municipal de Oeiras,nele funciona o Centro de Arte Manuel de Brito.
No Parque em que o Palácio de enquadra,pode ver-se,entre outros,um belo exemplar de Washingtonia filifera,ali posta como sentinela vigilante. Há sombra dela na primeira imagem.
Informação colhida na Web. As imagens foram retiradas do blogue Maria Pudim.





















quarta-feira, 27 de agosto de 2008

À PROVA DE PEDREGULHO

Era uma estrada de dela se fugir. É que por ali reinava o granito. Havendo tanto, para quê ir explorá-lo lá para longe? E, então ,os rebentamentos eram feitos mesmo ali a dois passos. Não admirava pois que os pedegrulhos aparecessem junto ao cais de embarque,o que dava um grande jeito.
Admirava que tal fosse consentido. Talvez andasse por ali o espectro da concorrência. Para o produto ficar mais barato,e assim poder competir com o de outros locais,as despesas com o transporte tinham de ser reduzidas. Depois,estava-se para lá do Marão. Os que não fossem de lá que se arranjassem,que quem mandava ali já se sabia quem era.
Havia também por ali outras estradas . Que as utilizassem,que ninguém os obrigava a passar por aquela. Querendo,trouxessem um carro à prova de pedregulho.

UM EREMITA

Era uma boa água,quase sem calcário. Fora o que ele dissera. Confundira calcário com cálcio,que são duas coisas distintas. Uma contém a outra,nada mais. Mas não tinha obrigação de o saber,pelo que estava desculpado.
Já o mesmo não acontecera em certa ocasião. Aqui não havia perdão. Conhecimentos sobejavam-lhe,mostrando até tendência para o mostrar a cada passo. Tinha gosto nisso. Não perdia ocasião para intervir,para botar figura. Mas naquele passo,fora infeliz. E o professor que o estava a ouvir,e mais companhia,não se conteve. Oh colega,veja lá o que está a dizer. Isso é erro de palmatória. Ainda bem que tinha sido o professor a notar-lhe a escorregadela,pois se coibiu de rebater. Se acaso se tratasse de um qualquer,não se teria calado e não se sabe o que viria depois. Era capaz de reincidir,contra toda a evidência.
O palco de tal cena era um muito especial. Ficava lá para o cabo do mundo,onde quase tudo faltava,menos a paz,os bons ares,o quase silêncio,a frugalidade. Pois era de uma coisa assim que ele gostava. Havia pão,um rico pão,por sinal,havia água , havia umas gostosas ervinhas,não precisava ele de mais nada. E ali se demorava tempos sem fim entretido com o seu trabalho. Um eremita.

SENHORA NAGONIA!

Georges! anda ver meu país de Marinheiros,

O meu país das Naus,de esquadras e de frotas!



Oh as lanchas dos poveiros

A saírem da barra,entre ondas de gaivotas!

Que estranho é!

Fincam o remo na água,até que o remo torça,

À espera da maré,

Que não tarda aí,avista-se lá de fora!

E quando a onda vem,fincando-a a toda a força

Clamam todos à uma:"Agôra! agôra!agôra!"

E,a pouco e pouco,as lanchas vão saindo

(Às vezes,sabe Deus,para não mais entrar...)

Que vista admirável! Que lindo! Que lindo!

Içam a vela,quando já têm mar:

Dá-lhes o Vento e todas,à porfia,

Lá vão soberbas,sob um céu sem manchas,

Rosário de velas,que o vento desfia,

A rezar,a rezar a Ladaínha das Lanchas:

Senhora Nagonia!

Olha,acolá!

Que linda vai com o seu erro de ortografia...

Quem me dera ir lá!
...

ANTÓNIO NOBRE

POESIA COMPLETA
CÍRCULO DE LEITORES
1988

FULVOS E BONITOS

"....Na sala de espera na terceira classe entre bagagens e cobertores de lã,dormem,aos montes,rabuzanos que vão trabalhar para o Alentejo,os varapaus de castanho atravessados,os tamancos ao lado,os pés descalços e um cheiro a lobo que se evola das suas saragoças montanhesas. Nostalgicamente,alguns tasquinham um pão de milho horrível,com sardinhas assadas entre as pedras.
E os mais novos,quinze anos,dezasseis,dezoito anos,todos alegres daquela primeira migração às sementeiras de lá baixo,esses não param,examinando tudo pelos cantos,espantados,deslumbrados,fulvos e bonitos como bezerrinhos de mama;e ei-los estacam diante dos relógios,dos aparelhos do telégrafo,a sala do restaurante cheia de flores,os chalés de hospedagem e os pequenos jardins dos empregados da estação... Dois ou três arranham nas bandurras fados chorosos,melodias locais duma tristeza penetrante,em cujos balanços,gemidos,estribilhos,se acorda o murmúrio dolente das azenhas,vozes da serra,risotas da romagem,balidos do polvilhal que entra no ovil,todas as indefinidas virgindades da Beira,núcleo de força,e ainda agora a mais impoluta ara da família portuguesa...."

De O PAÍS DAS UVAS
O FILHO
FIALHO DE ALMEIDA
CÍRCULO DE LEITORES
1981

PINHAL DA AZAMBUJA

"...Êste é que é o pinhal da Azambuja?
Não pode ser!
Esta,a antiga selva,temida quási religiosamente como um bosque druídico?! E eu que em pequeno,nunca ouvia contar história de Pedro de Malas-Artes,que logo, em imaginação,lhe não pusesse a cena aqui perto!... Eu,que esperava topar a cada passo com a cova do capitão Roldão e da dama Leonarda!...Oh! que ainda me faltava perder esta ilusão...!
Por quantas maldições e infernos adornam o estilo dum verdadeiro escritor romântico,digam-me,digam-me:onde estão os arvoredos fechados,os sítios medonhos desta espessura?... ".

De VIAGENS NA MINHA TERRA
ALMEIDA GARRETT
LIVRARIA POPULAR
1935

terça-feira, 26 de agosto de 2008

À VOLTA DO PAPEL

Fátima Mendonça

Ruy LeitãoEduardo Batarda
Uma exposição no Palácio Anjos,em Algés.
..."Nesta exposição,...,o Centro de Arte Manuel de Brito reuniu 100 artistas portugueses do século XX e XXI que praticaram e praticam o desenho como suporte de um trabalho que se quis e continua a querer inovador."...
Termina em 21 de Setembro.



Texto de Luísa Soares de Oliveira

Imagens retiradas do blogue DRAGÃO DE PAPEL

OS NEANDERTAL E OS SAPIENS


Uma investigação publicada no Journal of Human Evolution indica que o Homo Neandertal era tão bom caçador como o Homo Sapiens,com quem conviveu ainda alguns milhares de anos. Parece indiciar isto que o Neandertal não era assim tão atrasado.
O instrumento que está na imagem foi encontrado no sul do Reino Unido.

Notícia de El País.com/EFE- Madrid,Washington-26/8/2008
Foto-UCL

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

PRENDAS

O miúdo era um choramigas,vertendo lágrimas por tudo e por nada. Nascera assim,vá-se lá saber porquê. Havia,porém,umas ocasiões em que ele tinha carradas de razões para as verter. Tratava-se do Natal,da Páscoa e das férias. É que lá em casa o dinheiro era escasso. Mal chegava,de facto,para o essencial,que é,como muito bem se sabe,a renda da casa,o comer e o vestir.
Assim,pelo Natal,onde é que estavam as prendas? Pode-se dizer que nem uma. Ficava a observá-las nas montras e nas mãos de outros meninos. Nunca seriam para ele. Nem um simples carrinho,daqueles de corda. E tanto que gostava de o ter para brincar com ele as vezes que quisesse,e,também,porque não?,para o mostrar a outros meninos mais afortunados. O que o consolava um pouco era saber que não estava sozinho,que muitos outros meninos teriam igual sorte. Mas esses não eram ele. Com o mal alheio podia ele bem. Agora,com o dele,só ele é que o suportava. E isso é que contava.
Pela Páscoa,era a mesma coisa. Muito ele gostaria de comer de toda aquela variedade de amêndoas que ele via nas montras das lojas. Pois só lá de vez em quando,quando o rei fazia anos,é que saboreava aí uma meia dúzia das mais baratinhas,arrancadas muito a custo,quase sempre depois de uma grande choradeira.
E quando chegavam as férias? Era um outro lacrimejar sem destino,mas só para dentro. Para fora,fazia-se muito forte e nem uma lagrimazita saía. Agora,para dentro,só visto. Aquilo era mesmo um vale delas,das grossas. Parecia um dilúvio. Mas tudo se passava lá muito nos interiores,de maneira que só ele é que dava conta. É escusado dizer onde ele as passava.

OLÁ,ESTÁ BONZINHO?

Era a primeira vez que estavam a conversar. A certa altura,o que aparentava ser mais novo puxou dos galões. Fique sabendo que a mim se deve o comboio ter passado a parar aqui. Escrevi uma carta à direcção a justificá-lo. Fazia todo o sentido,pois vive aqui muita gente.É quase uma cidade. Pois queira aceitar os meus agradecimentos,visto dar-me muito jeito.
Logo a seguir veio um desabafo. Sabe,trabalhei muito e estou para aqui um tanto acabado. Foram as ralações da chefia. Ainda não fiz os setenta. Pois eu já estou à beira dos oitenta. E aqui pareceu ter ficado um tanto desgostoso,talvez por não contar com tamanha diferença.
Deve ter,porém, pensado que o outro estaria mais perto do fim. E para a próxima vez o lembraria. E quando ela chegou,num ocasional cruzamento,mimoseou-o com um expressivo olá,está bonzinho?

FINOS NÉCTARES

O que ele lhe foi dizer. O outro deixou-o falar e quando viu que a uva estava madura desatou a colhê-la.
Muito me contas. Pois fica tu sabendo que eu não te fico atrás. Não eu,que sou muito superior a essas coisas,mas os meus dois filhos e a minha neta,sobretudo esta. Estes,e sobretudo esta,é que dão cartas,estes é que pedem meças. O que iria sair dali? Era de um peão se pôr a recato,que a enxurrada devia ser das grandes.
A filha quase se doutorara em artes musicais. Não estivera para isso. É que onde chegara noutras artes já lhe enchia as medidas.
O filho era um crítico de vanguarda nessas artes musicais. Já não tinha canto onde pôr discos e livros. Mas só dos clássicos.
A neta seguia-lhes as pisadas. Mas nada de academias,que isso era reles. Era o professor que lá ia a casa,pois então. Mas olha que não é um professor qualquer,não. É mesmo doutor.
Era de arrasar. Coitado dele,que não mais se atreveria a levantar cabeça diante de tal pai,de tal avô.
Que cepa esta. Não haveria outra que gerasse tão finos néctares.

NUM SIMPLES CANTO DE LOJA

For men. Feeling. Ambre solaire. Summer inside. After shave. Iced tea.Royal. Summer is a state of mind.
Isto tudo,e mais o que escapou,num simples canto de loja.E ainda há quem se amofine com acordos ortográficos.

UM NOVO IMPOSTO

"...Na Lisboa quinhentista eram raros aqueles que saíam de casa sem levarem consigo uma arma,mas,mesmo assim,andar pelas ruas à noite era perigoso....
...Cada manhã eram recolhidos das ruas corpos de indivíduos mortos à facada,de estocadas de espadas,de pedras atiradas à cabeça....
...Três séculos depois,Giuseppe Baretti,que visitou a capital depois do terramoto de 1755,dá-nos conta do sentimento de impotência que experimentara a este propósito. "Desde que escurece torna-se extremamente perigoso sair de casa só e desarmado,porque é quase certo ser-se assaltado e roubado..."....
...Por todas estas razões,o movimento das ruas ,que era intenso ao longo do dia,tornava-se quase nulo em grande parte da cidade,apenas se punha o sol. As pessoas apressavam-se a regressar a casa e os jardins públicos eram encerrados. Esta total sensação de insegurança era agravada por falta de iluminação pública....
...Pina Manique decidiu,por fim,lançar um novo imposto que financiasse a colocação de luzes urbanas...."

De CINCO SÉCULOS DO QUOTIDIANO A VIDA EM LISBOA DO SÉCULO XVI AOS NOSSOS DIAS
Teresa Rodrigues
Edições Cosmos 1997

O SETE E A COR DA AMIZADE POSSÍVEL

Os sete dias da criação.Os sete dias da semana. Os sete pecados. As sete partidas. Os sete sóis. As sete luas. As sete maravilhas. Os sete mares. Os sete palmos de terra. As sete cores.O vermelho,o verde.... O diabo a sete.
O que isto está a precisar é de que o diabo se suma,desapareça,de vez,que já basta de tanto sete,de tanto diabo.
O que isto está a precisar é de que as cores,todas elas,se juntem,se harmonizem,se fundam. Que fique,apenas,uma,a cor da Amizade possível,se não for possível o Amor.

domingo, 24 de agosto de 2008

TRESPASSADO

Até ali nunca dera conta do que acabara de descobrir. Os olhos também podem falar. Não de um modo audível,é certo,mas entendível. Um falar,às vezes,de conveniência,como naquela altura. Diziam,mas não se comprometiam. Que bom,ou mau,poder falar assim. Ninguém os leva presos.
Pois ali estava,sem qualquer dúvida,um desses olhares. O que estava claramente dizendo? Que sorte tens tu homem. Aí comodamente instalado nesse belo carro,que não é teu,mas para mim é como se fosse ,que eu não posso ver uma camisa lavada a um pobre.
Assim eu tivesse tido essa sorte. Não calhou,mas eu é que a merecia,pois sou muito superior a ti,um Zé Ninguém. A inveja que eu tenho de ti.
E aqui,a intensidade daquele olhar quase varava. Sentira-se trespassado e tivera medo. De que seriam capazes aqueles olhos? De fulminar? Sabe-se lá.

PLAGIAR

Não se lembrava ele já onde lera uma frase que muito o impressionara. Podia lá ser? Devia estar a precisar de ir a mais do que um médico. Tinha de pensar nisso muito a sério,que os males podiam-se seriamente agravar. A frase não se lembrava bem dela também,mas parecia querer dizer, mais ou menos,que um senhor andava a imitar outro senhor, distribuindo isto e mais aquilo. Era como se andasse a plagiá-lo. Ora isso era gravíssimo,o plagiar.

sábado, 23 de agosto de 2008

O SEGURO MORREU DE VELHO

Aquele crocitar não enganava. Era sinal de mais um visitante daquele jardim. Já se tinham visto por ali gaivotas,pombos,melros,rolas ,pardais e outros que tais,mas corvo é que nunca.
Pois ali andava ele naquela manhã de sol. Ouvira-se,primeiro,a sua voz inconfundível. Devia estar próximo. E, de facto,não se fez esperar. Esteve uns segundos a descansar na relva,que o seguro morreu de velho. Depois,há asas para que vos quero. Uma árvore ramalhuda estava ali perto e foi para ela que apontou.
Mas donde teria vindo aquele corvo? Não tardou muito a saber-se. Era preciso ali alguém que desse ordens,pois aquele jardim já estava a ficar um tanto seco. E esse alguém apareceu a dá-las. Tinha ele um ar de chefe. Trazia,pelo menos,muitas chaves bem à vista. Seria um homem de muitas portas. E uma delas talvez fosse da porta onde morava o corvo.
O certo é que os dois deram mostras de se entenderem. Aquela árvore teria sido o ponto de encontro. Pareceu até que conversaram.

O MAIS RICO

Segundo a revista Forbes,o mais rico dos reis é o da Tailândia. Segundo a Wikipedia,este país,no ranking do GDP(nominal) per capita, ocupa o lugar 89.

PALÁCIO DOS CONDES DE FARROBO,LISBOA






































De The Commoms-Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian's photostream







BIBLIOTECA DE ARTE-FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN'S PHOTOSTREAM

Mais um aderente ao The Commons,um projecto conjunto do Flickr e da Library of Congress.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

MAIOR RETORNO

Os velhos lá da aldeia não sabiam onde pôr as prendas. Era caso para dizer que estavam de parabéns. Assim estivessem os velhos das outras aldeias. Acontecera isso,porque quem mandava lá só pensava neles.
Não gostando de os ver de pé,às esquinas ou encostados às paredes,na cavaqueira,quase sempre futebolística,tinha de ser,muito em especial nos dias de sol,presenteara-os com mais dois poisos,onde se entretinham a jogar às cartas tempos sem fim.
Já lá existia um,em sítio ajardinado,como convinha,para melhor oxigenar aqueles entupidos pulmões. Mas via-se bem que estava já a ser muito acanhado,a rebentar pelas costuras. A maior parte tinha de ficar de pé,o que não era nada apropriado.
Os velhos agradeceram muito e nunca se iriam esquecer de quem tanto pensava neles,passando aos actos. Assim outros tal fizessem,esses e mais actos,pois que o entretém quer-se variado.
É bem certo que a vida é um jogo que os velhos têm jogado muito. Mas como era bem sabido,podia-se fazer outras coisas,algumas de maior retorno. Estava pensando nisso,certamente,quem lá mandava,pelo que,um dia,receberiam outras prendas. A qualidade delas ficaria ao seu alto critério.

O FADO

José Malhoa,1855-1933
1910
Museu da Cidade,Lisboa
De Seis Séculos de Pintura Portuguesa

SÓ DEUS

Francisco Metrass,1825-1861
1856
Museu do Chiado,Lisboa
De Seis Séculos de Pintura Portuguesa

MARIANA BENEDITA SEQUEIRA

Domingos António de Sequeira,1768-1837
c.1822
Museu Nacional de Arte Antiga,Lisboa
De Seis Séculos de Pintura Portuguesa

O REI D.SEBASTIÃO

Cristóvão de Morais,act. conhecida 1552-1572
1571
Museu Nacional de Arte Antiga,Lisboa
De Seis Séculos de Pintura Portuguesa

GRUPO DO LEÃO

Columbano Bordalo Pinheiro,1857-1929
1889
Museu do Chiado,Lisboa
De Seis Séculos de Pintura Portuguesa

ATAQUE D' ALCACER DO SAL POR D.AFFONSO HENRIQUES

Biblioteca Nacional Digital
Autor/Resp.
Data 1830

LISBON FROM THE RUA DE SAN MIGUEL

Biblioteca Nacional Digital
Autor/Resp.Batty,Robert,(1789-1848);Jeavons,Thomas,(?-1867)
Data 1989

PARA ESQUECER

Ia haver grande festa aquela casa. Fazia anos. Os modos de o assinalar eram vários,que ela bem merecia,deles se salientado uma exposição, em painel,das suas já muitas realizações.
A área disponível era,infelizmente,limitada. Isto trouxe um grave problema para um dos sectores. É que o espaço que lhe fora atribuído era muito escasso para mostrar,como devia ser,aquilo que já tinha sido produzido,e que era muito.
Alguém teria de ser sacrificado. E a decisão veio,uma,certamente,dura decisão. É que ninguém gosta que o seu trabalho seja ignorado,quando se pensa,talvez exageradamente,que vale alguma coisinha.
Não figuraria,então,o chefe,que esse seria o menos lesado,por razões óbvias,e não figuraria um outro,um novato,que andava para ali ainda a aprender. De resto,pelo que já tinha mostrado,seria um caso para esquecer.

MAU PADRASTO

Não era a estátua de um desterrado,mas para lá caminhava. Sentado num dos bancos daquele amplo jardim,a tristeza envolvia-o pesadamente. Pontificara ali anos a fio,acudindo ali e acolá,onde era preciso,plantando,regando,aparando,regando,limpando. Sempre num virote,sem quase repousar. Até em dias de folga aparecia por lá,tapando alguns buracos,daqueles mais visíveis.
Estaria reformado? Afinal,não era ainda o descanso do guerreiro. Fora,simplesmente,transferido para outras paragens. Manda quem pode e ele não pudera dizer que não. Mas muito lhe teria custado,que era ali que ele se sentia como em sua casa,talvez,até,a considerasse como isso mesmo,a sua casinha.
Encontrava-se,então ali,naquela manhã soalheira de domingo,matando saudades. Escolhera um ponto estratégico,de onde podia abarcar todos aqueles seus muitos cantos familiares. E veria defeitos,gravíssimos defeitos. A falta que ele ali estaria fazendo,e sem poder acudir,sem poder sanar as mazelas,que seriam muitas,aos seus olhos de conhecedor sensível. E isso mais o magoaria. Aquele jardim seria para ele como um filho muito amado,que passara a estar ao cuidado de um mau padrasto.

LIXO

Talvez estivesse de férias,talvez lhe tivesse apetecido faltar ao trabalho,que o tempo estava para isso,talvez vivesse já dos rendimentos,enfim,um sem número de suposições.
O certo é que ele gastara naquele vasto jardim duas boas meias horas,parando ali,parando acolá. Não ia só. Acompanhava-o a mulher,por sinal,muito bem paramentada,em flagrante contraste com o seu boné de pala e o mais a condizer. Traziam, também ,um rebento,ainda de mama,no seu carrinho.
E a dada altura,surpresa aconteceu. Umas calças,daquelas de ganga,jaziam abandonadas e desordenadas num banco. Alguém as tinha deixado ali,não por esquecimento,mas por as ter enjeitado,que elas davam mostras de já terem cumprido a sua obrigação. Pois ele viu-as,e sem uma hesitação,pegou nelas para as examinar,muito em especial os bolsos. Lá concluiu que dali não levava nada,e,sem cerimónias,lançou-as ao chão,que aquilo não passava de lixo.
Ainda se pensou que era para se sentarem,que elas ocupavam grande parte do banco. Mas não. Lá continuou no seu giro,acompanhado da mulher,muito bem paramentada,como para uma festa,e do filhito,muito bem acondicionado no seu carrinho.

RETRATO DE SEUS FILHOS


Domingos António de Sequeira
Sec. XVIII-XIX
Museu Nacional de Arte Antiga,Lisboa
Da Ciudad de la Pintura

A BIBLIOTECA

Maria Helena Vieira da Silva
1955
Colecção particular, Paris
Da Ciudad de la Pintura

TIME-PAST AND PRESENT

Paula Rego
1990-91
Fundação Calouste Gulbenkian,Lisboa
Da Ciudad de la Pintura

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

THE GALLERY OF ARCHDUKE LEOPOLD IN BRUSSELS


David TENIERS the Younger
1640
Staatsgalerie,Schleissheim
Da Web Gallery of Art

STUDIES OF EMBRYOS

LEONARDO da Vinci
1509-1514
Royal Library,Windsor
Da Web Gallery of Art

PENAR SEM TERMO

Era para ter pena dele,mesmo muita pena. Sempre cabisbaixo,meditabundo,de passos arrastados,como que vergado,esmagado,ao peso de toneladas não se sabia de quê.
Apetecia abordá-lo para o aliviar. Desabafe lá homem,diga lá o que o faz andar assim,nesse penar sem termo?
Dinheiro,constava não lhe escassear. Telha,muita exibia,em cantos vários. Jornais,estava a par das últimas. Telenovelas,não falhava uma. Família,tinha-a bem arrimada. Saúde,não lhe devia faltar,que aquilo era um andar sem destino,hoje aqui,amanhã além.
Que mal seria,pois, o dele? Seriam saudades de um tempo de que gostava tanto e que tardava em regressar?

COURAÇA INOXIDÁVEL

O homem é de fibra. Para alguma coisa lhe havia de ter servido o ele,há largos anos,quase nunca estar parado. Vê-se,na maior parte das vezes,sozinho,ainda que não seja bicho de mato. Mas não tem quem o acompanhe nas andanças
Pois lá ia ele no seu giro incerto,hoje para ali,amanhã para o lado oposto,mas sempre coisa para durar. Naquela manhã chuvosa,nada convidativa para se pôr a cabeça de fora,parecia que não se atreveria à passeata costumeira e que ficaria lá em casa ou na companhia de amigos,em qualquer baiuca.
A água não caía a cântaros,mas não era também uma de molha-tolos. Era assim uma chuvinha média,persistente. Pois lá ia ele ,de cabeça bem descoberta,recebendo-a como quem aceita um doce. Por ali não se via uma árvore e muito menos uma telha,mas isso a ele não apoquenta. Iria ficar ensopado,a escorrer,que o passeio,para lá e para cá,era de muitas centenas de metros.
Aquela pele já deve ser couraça,couraça inoxidável. Está ali capaz de resistir às piores invernias e aos maiores escaldões,e sabe-se lá mais o quê.

FABRICO DO ARROBE

A vindima estava-se a aproximar, o que significava que se tinha de começar a preparar as coisas para o fabrico do arrobe. Mas isso era para as pessoas grandes. Eles que se mexessem,que a pequenada tinha mais com que se entreter.
Mas chegado o dia,aquilo para a miudagem valia muito mais do que a matança do porco. Não precisavam de serem arrancados da cama,como acontecia muitas vezes, que eles bem cedo se levantavam por sua própria vontade. Nem tinham dormido como devia ser,só a pensar na festa que os esperava.
E assim, lá se postavam no sítio do costume,num vasto pátio ao ar livre. Viam chegar os cestos,daqueles para os cachos,cheios de marmelos.Viam cortá-los em pedaços,que eram lançados em caçarolas de cobre,a brilhar. Viam derramar litros e litros de mosto,trazido directamente da adega. Viam a lenha a arder,por baixo das caçarolas. Viam braços incansáveis a mexer e a remexer toda aquela massa olorosa.
Impacientes,não esperavam pelo fim. Eram eles os primeiros,a bem dizer,a provar aquele pitéu,arrriscando-se a queimarem as tenras bocas. Não queriam saber de avisos. O que eles queriam era apanhar os grandes desprevenidos,cortando-lhes as voltas.
Iam ter ao longo de meses muito com que se lambuzarem. Antes de partirem para a escola,nas manhãs frias,o arrobe encarregava-se de lhes dar energia para as brincadeiras intermináveis.

FÉRIAS NO ESPAÇO


A partir de 2012,no hotel Galactic Suite,a 45o km da Terra. Já há 38 reservas. O custo é de 3 milhões de euros,por quatro dias. O hotel dispõe de um SPA. Entre mais outras amenidades,pode ver-se o Sol ir para a sua caminha 15 vezes por dia. O criador do projecto é o senhor Xavier Claramunt e as marcações podem ser feitas na WEB em-www.galacticsuite.com.


Informação retirada do El País de 21/8/2008


Imagem do interior da Galactic Suite EFE,de 20/8/2008

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

THE SWING

Jean-Honoré FRAGONARD
1767
Wallace Collection,London
Da Web Gallery of Art

LANDSCAPE WITH A RAINBOW

Pieter Pauwel RUBENS

c.1618
Wallace Collection,London

De Web Gallery of Art

A VASSOURA

Coitadas daquelas oliveiras. Metiam dó,de tristes que ficavam. Parecia vê-las chorar,que aquilo não era fruto a cair,mas lágrimas que elas soltavam.
E desfaziam-se elas,teimosamente,em tanta promessa. Mas uma doença maldita não as largava. Ainda esperaram que lhes acudissem,mas muito se enganaram. Para ali têm estado,pois,
entregues à sua sorte,anos e anos.
E o resultado de tanta comida e de tanta bebida,que o chão é úbere e a água abunda,é sempre o mesmo. Depois,os odores à sua volta,na fase terminal,são de fugir. Nem os pássaros,nem as formigas se atrevem a andar por ali. Uma desolação.
De vez em quando,vem a vassoura e é o lixo o destino de toda aquela azáfama,que aquelas flores e aqueles frutos representam muito trabalho,que não se viu,mas que foi feito,disso não se pode duvidar.
Razão forte têm aquelas oliveiras,portanto,para chorar. Mereciam melhor sorte,elas que são o símbolo de coisa muito séria.

CAPRICHO DO PADRINHO

Os quadros estavam ali para serem vistos e apreciados,e dois andavam por lá mirando-os. Ela,uma senhora,com olhos de artista que também era,e ele,por simples curiosidade. Estando eles ali ao pé da sua porta,seria uma pena e uma perca não ir lá espreitá-los.
Essa essencial diferença de olhares não impediu que ambos chegassem à fala,em que se incluiram apresentações. Foi a senhora que se antecipou. Era de família muito ilustre.
Mas que coincidência,disse ele. Parecia haver ali parentesco,ainda que longínquo,mas não,apressou-se ele a esclarecer. Não passava de um plebeu. Tinha sido um mero capricho do padrinho. Em boa hora o tivera. Não lhe deixara teres,mas pusera-lhe um nome que lhe dera muito jeito lá na escola.

AJUDA VITAL

No entardecer da vida,dera-lhe para se recordar,a cada passo,de alguém que muito o ajudara e que já partira para não mais voltar.
Fora uma ajuda vital,a exigir um teimoso agradecimento. E naquele entardecer,sentia que não lhe agradecera bastante. Ele não esperaria agradecimentos,pois era daqueles que dão de graça porque de graça receberam.
Parecia-lhe,porém,estar em grande falta. E queria,naquela ponta final,não saldar a dívida,que a considerava enorme,para além das suas fracas capacidades,mas,ao menos,reduzi-la,ainda que num valor modesto. Não era para ali um ingrato,um esquecido da mão que o amparara.
E aquela repetida lembrança,ao mesmo tempo dolorosa e doce,seria uma forma,tosca forma,de mostrar o quanto lhe estava agradecido.

A MUITO DESPROPÓSITO

Vejam lá o que há tempos testemunhei,dissera o senhor Joaquim. Estava eu à espera de que uma porta se abrisse. Não eram essa uma porta qualquer,não senhor,eram uma porta de variados desempenhos, muitos deles de alta qualidade.
Pois qual não foi o meu espanto quando dou com a estrela daquela tarde,uma estrela,por sinal,de muito brilho,a querer saber onde é que iria actuar. Então, ninguém da casa daquela porta estava ali para receber tal astro? Apenas a menina da recepção,que não sabia como se proteger de tanta luminosidade,a dar as suas tímidas indicações?
Alguém que estivera ouvindo isto,não resistira. Sim,conhecia muito bem essa casa,não só por dentro como por fora. Ainda há dias lá brilhara.
Não vinha isto nada a propósito,mas sim a muito despropósito,pois nenhum instrumento ele tocava. Mas não podia perder aquela rica ocasião para aparecer no palco,bem à frente,para que todos o pudessem ver e admirar. Não teria o dia ganho se tivesse enjeitado aquela oportunidade,de,mais uma vez,se mostrar. Era assim,e não havia nada a fazer.

OS PRINCÍPIOS E O FIM

Esta é a história,muito,muito, resumida,que o tempo é dinheiro,que o papel dinheiro é,e também a paciência,de um povo que muito se prezava pelo seu entranhado amor aos princípios. Nunca por nunca os atraiçoariam. Defendê-los-iam até ao ponto de sacrificarem as suas vidas. Mas adiante,que o tempo,o papel,a paciência são dinheirinho,nunca isto deve ser esquecido.
Pois esses princípios foram o seu fim. Tem isto quase graça,mas o caso não tem mesmo graça nenhuma. Mas avance-se que a paciência é dinheiro.
E a coisa,como se avisou,desde o princípio,conta-se depressa. Aquele povo ,para sobreviver,necessitava,como de pão para a boca,de água. Mas não só de água ,também de energia,que viria de uma parte dessa água. De uma cajadada,matariam dois coelhos,metaforicamente falando.
Para as ter,água e energia,tinham de sacrificar,porém, meia dúzia de respeitáveis memórias do seu passado glorioso. Ora esse povo,povo único,povo de heróis, antepunha a tudo,mesmo a sua existência,a preservação desse tesouro. Ou ele,ou nós,era um dos seus lemas.
Portanto,nem pensar em molestá-lo,nem que fosse um mísero bocadinho. Seria um sacrilégio,seria uma traição. Só por cima dos seus cadáveres. Dali não saíam.
O tempo foi passando,o tal que é dinheiro,e também vida,neste caso concretíssimo. O tempo foi passando,e nas suas pobres mãos viam-se apenas os princípios. Veio um ar,uma simples brisa,um ligeiro bafo,e foram-se,levando com eles,muito a eles abraçados,muito agarradinhos a eles,os princípios. Os princípios e o fim.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

ESTENDAL ENORME

Para catacterizar uma figura histórica,um ilustre ensaísta encheu de adjectivos uma página inteira. Pois o que se ouve e se lê acerca das muitas figuras públicas por esse vasto mundo não enche só uma página mas muitas.
O estendal de termos inclui,entre outros,além desses prestimosos classificadores,substantivos e verbos,como subir,fragilizado,descer,surpresa,castigado,promoção,
vingado,aparelho,premiado,independente,apressado,injustiçado,despedido,um nunca mais acabar.
Alguns deles fazem lembrar brincadeiras de crianças,lutas,até guerras,pela sua agressividade. Parece,ás vezes,que as estimulam,que as querem,o que é muito triste.

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OS ÚNICOS

Essa é velha,já tem barbas de muitos anos. Eu sei de uma muito melhor. Nunca dizem eu sei uma outra. Têm de a classificar,de a exaltar. Muito melhor e novinha em folha,acabada mesmo da sair da fábrica.
Foram de uns assim que lhe calharam em rifa. Tinham corrido Seca e Meca,conversado com gente da alta,em intimidade,retiveram muita informação,sobretudo daquela que vale a pena reter. O seu baú rebentava pelas costuras e até já estavam a pensar em adquirir outro,mas de muito maiores dimensões. Mas o da altura ainda servia,face à fragilidade do "inimigo". Se,por acaso,não chegava para o que pretendiam,inventavam,logo ali,uma nova "arma". O que não podiam era ficar em desvantagem,a perder,porque para eles era tudo um jogo,ou uma luta,ou uma guerra, que tinham de ganhar. A deles tinha de ser o último grito.
Eram de estarrecer aqueles estendais de pormenores. Como poderia haver tais armazéns? Eram conversas desfiadas,conversas só para amigos,com vírgulas e tudo o mais. Até as horas e os minutos. Até as ruas e os números de policia. E a graça,e a importância,e a oportunidade,e o chique? Uma coisa assim reduzia a nada o pobre,que interviera apenas para não estar calado,sem ideias preconcebidas. Para entreter,entretendo-se. Mas eles não estavam lá para isso. Estavam para ganhar,para serem os primeiros,os melhores,os únicos. Retiravam-se vitoriosos,olhando com desprezo o coitado.

GIL VICENTE,FRANCISCO SÁ DE MIRANDA E BERNARDIM RIBEIRO NALGUMAS BIBLIOTECAS NACIONAIS E UNIVERSITÁRIAS DOS EUA

GIL VICENTE

Canadá-383 títulos;EUA-61;Reino Unido-185

Georgetown-39;Harvard-111;Princeton-57

FRANCISCO SÁ DE MIRANDA

Canadá-54;EUA-14;Reino Unido-39

Harvard-23;Princeton-4

BERNARDIM RIBEIRO

Canadá-39;USA-11;Reino Unido-6

Georgetown-4;Harvard-20;Princeton-9

LA LEYENDA DE CARLOMAGNO

El emperador Carlomagno se enamoró,siendo ya viejo,de una muchacha alemana. Los nobles de la corte estaban muy preocupados porque el soberano, poseído de ardor amoroso y olvidado de la dignidad real,descuidaba los asuntos del Imperio. Cando la muchacha murió repentinamente ,los dignatarios respiraron aliviados,pero por poco tiempo,porque el amor de Carlomagno no había muerto con ella. El Emperador,que había hecho llevar a su aposento el cadáver embalsamado,no quería separarse de él. El arzobispo Turpin,asustado de esta macabra pasión,sospechó un encantamiento y quiso examinar el cadáver. Escondido debajo de la lengua muerta encontró un anillo con una piedra preciosa. No bien el anillo estuvo en manos de Turpin,Carlomagno se apresuró a dar sepultura al cadáver y volcó su amor en la persona del arzobispo. Para escapar de la embarazosa situación,Turpin arrojó el anillo al lago de Constanza. Carlomagno se enamoró del lago Constanza y no quiso alejarse nunca más de sus orillas.

Italo Calvino

Biblioteca Digital Ciudad Seva

UMA PEQUENINA AMOSTRA

"OMÍADAS,dinastia de califas árabes,que reinou em Damasco,de 661 a 750. Destronada pelos abácidas ,foi fundar na Espanha o califado de Córdoba(756-1031)."

"ESPANHA...O Estado visigótico,que adquiriu o apogeu após a conversão ao catolicismo do rei ariano Recaredo(587) foi destruído pela invasão árabe em 711. Desde o fim do séc.VIII,os emires omíadas de Córdoba proclamaram-se independentes. Em 929,Abd al-RahmanIII tomou o título de califa;o califado de Córdoba manteve-se até 1031,data do desmembramento da Espanha muçulmana em reinos independentes. Pôde então organizar-se a Reconquista cristã partindo do norte da Espanha:depois das Astúrias,onde os muçulmanos não conseguiram penetrar,a Espanha cristã expandiu-se,até formar,no séc.XI,os reinos de Castela,Leão,Navarra,Aragão,os condados de Portugal e Barcelona. De 1085(tomada de Toledo por Afonso VI) a 1242(tomada de Minorca por Jaime I de Aragão),os cristãos espanhóis,ajudados pelos cruzados europeus(vitória de Las Navas de Tolosa) rechaçaram os muçulmanos a tal ponto que,em meados do séc.XIII,a estes restava o reino de Granada...."

Dicionário Enciclopédico
Koogan Larousse Selecções 2 volumes 2
3ª edição 1980

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

DURHAM CATHEDRAL












































































































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